'Salvaterra, breve romance de coragem', livro premiado, fala da busca pela identidade na Amazônia

 Escritora cearense Marília Lovatel detalha processo de criação do livro que narra os desafios de quem vive nas entranhas da floresta, em especial, as mulheres

Foto: Cesar Sallum
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Era uma vez uma personagem a quem todos chamavam de “menina” e morava no coração da Amazônia, em meio a animais, muita água e desafios permanentes, com uma vida determinada por pessoas e fatores diferenciados, mas que não a impedem de buscar a sua própria identidade. Se você se reconheceu nessa personagem, como uma mulher (mas também serviria a um homem ou uma pessoa LGBTQIAPN+), saiba que essa personagem revela muito mais da sua vida e de outros amazônidas, como pode ser constatado no romance "Salvaterra, breve romance de coragem", da escritora cearense Marília Lovatel. Essa obra acaba de ser contemplada com o 20º Prêmio - Barco a Vapor, da Fundação SM, entre 1.135 trabalhos inscritos. O romance foi inspirado em relatos da sogra de Marília, dona Altair Pena de Souza, de 85 anos, e da própria mãe da escritora, dona Maria Ribeiro Lovatel, com 92 anos, referentes à vida de moradores no Arquipélago do Marajó, no norte do Pará, e ainda em pesquisa da autora.

Logo no começo do livro, Marília descreve a rotina dura da protagonista: "Acordar cedo, pescar com a rede no mar aberto, ordenhar as búfalas, limpar os peixes para nossa mãe preparar o almoço, tanger os búfalos ao pasto, vigiar os animais – igual a todo mundo. No fim da tarde, juntar o gado solto, baixar a tramela da porteira e trancar a manada no curral da terra; do curral das águas, os peixes não saem".

Em entrevista ao Grupo Liberal, Marília Lovatel contou que o romance "é inspirado em duas mulheres de grande força e coragem, a minha sogra que nasceu na Ilha de Marajó (em Salvaterra), e a minha mãe (cearense), ou seja, o exemplo de vida delas foi o que me motivou a escrever e ver essa história sendo bem-recebida e ganhando uma visibilidade tão ampla que o Barco a Vapor promove , para mim só pode ser motivo de grande alegria, ainda mais quando os olhos estão se voltando para a Amazônia pela proximidade da COP 30, e esses olhos deveriam estar sempre voltados para a Amazônia e para as outras regiões". A autora também ouviu outros depoimentos e pesquisou dados sobre a realidade da região - o livro é uma ficção livre mas fundamentada sobre informações acerca do dia a dia de quem vive no território amazônico.   

Voz

No livro, a protagonista da história do livro dá voz ao enfrentamento de  uma sociedade que deixa às mulheres como herança o “desafio de conquistar os nossos espaços,  o que requer muito esforço e luta”, como frisa Marília. “A menina do livro é um avatar de todas as meninas que enfrentam essa mesma dificuldade, de se entender num mundo dirigido por homens que determinam se ela pode ou não estudar, se ela vai ou não além dos limites conhecidos na infância; no caso da protagonista, ela é uma garota que a ela é negada a identidade, inclusive, ela é chamada de menina o tempo todo na história até o último capítulo; e uma história de construção de identidade e de amizade entre uma criança e um animal, o búfalo”, disse Marília Lovatel. 

“A voz da menina é a voz da floresta, o que ela ouve e o que vê, a relação dela com o búfalo, os sonhos, os desafios que eles enfrentam para garantir a subsistência, as violências de tantos tipos, estão todos presentes, mesmo que não sejam explicitados uma uma, e até nem precisa. O mais importante é que o leitor faça esse mergulho, entre na floresta com essa menina, veja, sinta o que é que é o dia a dia dela e enfrente junto com ela essa trajetória de conquista da identidade e de autonomia, mostrando que nenhuma menina precisa nem deve se limitar naquilo que a sociedade determinou para ela. Na verdade, ser humano nenhum”. Não a toda, dona Altair Pena se identificou com o desenho da capa do livro mostrando a menina e seu búfalo na floresta, uma ilustração de Fereshteh Najafi.

Fonte: O Liberal 

Texto: Eduardo Rocha


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