'Cem Anos de Solidão': série traz personagens e cenas que contam as agruras da América Latina
Em Belém, admiradores do livro do escritor colombiano Gabriel García Márquez, lançado em 1967, falam sobre o que torna essa obra singular no contexto da literatura mundial
Acaba de estrear na Netflix a série "Cem Anos de Solidão", baseada no romance do escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), conhecido como Gabo, vencedor do Nobel de Literatura em 1982. Referência na literatura mundial, essa obra, lançada em 1967, traduz literariamente a história de quem vive na América Latina, por meio da saga da família Buendía e outros personagens surpreendentes. Gabo manifestou o desejo e foi atendido de que a trama do romance de 1967 fosse filmada em espanhol e na Colômbia, e a série traz à tona o realismo mágico dessa obra para os debates sobre a realidade mundial. E esses debates envolvem paraenses e quem mora em Belém.
Ubiratan Sardinha Junior, de 22 anos, morador do bairro de São Brás, cursa Letras - Língua Portuguesa na Universidade da Amazônia (Unama), e Direito na Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele é um dos admiradores de "Cem Anos de Solidão".
"Nesse escrito, nosso autor colombiano nos presenteia com uma obra-prima do realismo mágico, na qual mitos, sabedorias populares e lendas se somam à tematização da história da América Latina, permeada por golpes, guerras civis e desigualdades extremas. Gabo, a partir da fictícia cidade de Macondo apresenta uma síntese de muitas outras cidades latino-americanas, assoladas por bem mais do que cem anos de solidão", destaca Ubiratan Junior.
Dalcídio
Ele conclui o curso de Letras e tem como orientador do Trabalho de Conclusão de Curso o professor Paulo Nunes. Esse TTC envolve a análise do livro "Marajó" (1947), do autor paraense Dalcídio Jurandir. E Ubiratan trabalha em cima da relação entre a noção de solidão do livro de Gabo e aquela presente na obra de Dalcídio Jurandir.
"Dalcídio escreve a partir de um lugar muito específico, enquanto caboclo marajoara, que conhece a realidade de abandono material, mas de grande potência humana, dos interiores do nosso Pará. Quando busco dialogar com o conceito de solidão latino-americana que Gabo desenvolve, sobretudo, em seu discurso do Nobel de Literatura, aponto que também as violências cometidas contra nosso povo, na Amazônia, são reflexos das desigualdades históricas que ele denomina como ‘antigas iniquidades e amarguras caladas’, pontua o estudante.
"Cito o exemplo do personagem Francisco, da trama dalcidiana, que migra de Ponta de Pedras para não ter o mesmo destino dos meninos de sua idade, qual seja, passar a vida trabalhando nas fazendas do coronel Coutinho, principal latifundiário da região, ou coletando açaí para sobreviver. Quantas semelhanças vemos, hoje, com os meninos e meninas dos interiores paraenses que sustentam a milionária exportação de açaí do país? Ou mesmo com os trabalhadores e trabalhadoras submetidos à escravidão contemporânea nas fazendas de dendê, soja e de rebanho bovino do nosso Estado? Nossa solidão é, assim, fruto dessas mesmas injustiças históricas", acrescenta o universitário.
Ubiratan confere a série na Net Flix, "A fotografia, o cenário, as personagens estão bem retratados logo no primeiro episódio. A voz do narrador foi um diferencial, afinal o livro contém poucos diálogos, logo, manter esse recurso com trechos da obra foi uma excelente escolha. Ansioso para ver os demais episódios!", arremata o estudante.
Identidade
Nascida em Puerto Pinasco (Chaco), no Paraguai, a professora Maria Ermelinda Báez Mateus, atua nos cursos de Letras, Relações Internacionais e Jornalismo da Unama. Para ela, "a escrita de Gabo é uma escrita comprometida com a busca da identidade latino-americana que se encontra nos limites entre a utopia e a realidade". "Em toda sua obra, e em 'Cem Anos de Solidão' de modo mais intenso, ele se debruça sobre a realidade do homem latino-americano e suas circunstâncias históricas. O resultado é esse monumento literário que combina História, ficção, memória e imaginação", enfatiza.
"A importância dessa obra está no fato de que, ao longo destes 57 anos, milhões de leitores, em mais de 40 línguas, consagraram-na como literatura universal: embora o romance esteja ambientado num espaço latino-americano, nele pulsam experiências universais da humanidade, pois Macondo contém todos os lugares, Macondo é vizinho de lugares que conhecemos", detalha a professora Ermelinda Báez, recomendando a obra para o público dada a beleza do texto de Gabriel García Márquez.
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