Belém é uma mulher

 




Às vezes, tenho vontade de botar Belém no colo. Parece uma formulação estranha - colo é coisa de mãe, de amigo e a gente dá pra quem tá precisando. Pois é aí que o vôo livre da metáfora nos aventura pelos confins do que não cabe na palavra. Voemos, pois. Qual pedaço desta pele que habitamos está precisando de colo: as ruas, as pessoas, os espaços públicos, os casarões privados, os canais, a memória, as ilhas, os rios; qual fragmento da paisagem? Seria a cidade que mora no nosso imaginário, no ideário de uma metrópole perfeita e eficiente, ou a cidade real, quatrocentona, forjada na resistência, na decadência, na exuberância, na alegria, na carência e na resiliência? Porque somos tudo isso. Isolados e cosmopolitas, ancestrais e modernos, conservadores e experimentais.

Navegando com entusiasmo e alguma angustia pontual neste rio de contradições, mantenho com Belém uma relação muito marcada pela vivência contínua do cuidado, da observação crítica dos desafios e de uma gratidão genuína por habitar este território amazônico, brasileiro, o lugar do meu-querer-estar-no-mundo. Há ruas e esquinas, árvores e azulejos que já se impõem no meu cotidiano como uma parte do que sou. Eu existo neles; naquela samaumeira jovem e vistosa, moradora da Praça da República, em frente ao Theatro da Paz. Eu sou aquela mulher de short curtíssimo, salto altíssimo e barriga de fora, dançando um brega, no show de aparelhagem. Eu sofro em mim o reboco caído, a vegetação aérea invasiva e faminta cobrindo as fachadas dos casarios. Belém é essa simbiose na gente. Podem até esculachar (palavra da moda, da qual nem gosto), criticar, desacreditar. Mas eu du-vi-de-o-dó que haja alguém capaz de negar a singularidade das experiências sensoriais e afetivas que Belém oferece no contato com seu povo e sua paisagem cultural. É o colorido polifônico das periferias, a beleza arquitetônica da Belém histórica, esse abraço morno de rio na porção insular - cada ilha, um encanto diferente. E a comida, meu Deus? Essa coisa que explode em sabores na boca da gente. Esse aroma que tem cor, as panelas fumegando, as folhas venenosas, as raízes e seus desenhos impossíveis, as castanhas todas, os caldos de amarelos vivíssimos, as pimentas abusadas, sensuais; essa gente dançante, de corpo quente e alma livre. É uma mulher. Belém é uma mulher, alguma dúvida? E como ela se entrega aos superlativos... Tudo muito, farto e intenso. Seja a fé, seja a maré. 

Sim. Esta é uma declaração de amor passional, leniente. A gente só dá colo pra quem gosta, e colo é coisa de fazer sem julgamentos. Aproveito para corrigir o enunciado no tempo regulamentar: não pode falar mal de Belém coisíssima nenhuma! Principalmente se você, caro leitor, cara leitora, não for daqui. Não nascemos ontem. Esta experiência urbana começou há 408 anos. E a cidade peleja corajosamente tentando seguir seu curso histórico de metrópole da Amazônia, com um perfume de sofisticação que valoriza sua herança ancestral. Assim como dinheiro não dá em árvore, merecimento não cai do céu. Nossa cidade sediará a maior conferência climática do planeta, em 2025, porque tem histórias pra contar, soluções pra oferecer e o acolhimento de mulher valente e generosa que estenderá seus braços amazônicos para receber mais de 70 mil pessoas do mundo inteiro. E pode ter certeza: esse mundaréu de gente abrirá conosco as janelas da cidade por onde avistamos o rio e miramos a floresta, e se lambuzará deliciosamente na inventividade alegre e criativa do maior patrimônio de Belém: sua gente. Feliz aniversário, minha amada e graciosa senhora! Meu colo tá aqui.

Ursula Vidal (foto) é jornalista e Secretária de Estado de Cultura do Pará.


Fonte: O Liberal

Imagem: divulgação 


Nenhum comentário