Palácio do Rádio: histórias entre janelas e corredores
Inaugurado na década de 1950, o Palácio do Rádio é um espaço de convivência, ainda hoje, entre comércio e moradores, que relembram muitos momentos do local, em plena avenida Presidente Vargas
Entre os elementos que tão bem caracterizam a avenida Presidente Vargas, em Belém, os edifícios marcados pela sequência de várias janelas alinhadas ao longo de suas fachadas são uma marca que não passa despercebida. Remanescentes de um período em que a capital paraense vivenciava ares de uma modernização que ficou impressa também na arquitetura, algumas dessas construções persistiram às transformações vivenciadas pela avenida ao longo dos anos e seguem de pé, abrigando as rotinas de centenas de famílias. É o caso do conhecido Edifício Palácio do Rádio, que carrega no próprio nome a referência da atividade que lhe deu origem.
Apesar de inaugurado nos anos 1950, o Edifício Palácio do Rádio remonta a um momento histórico de transformações vivenciadas na capital paraense desde décadas antes. Mesmo diante de um cenário de crise, o que se buscavam eram iniciativas que pudessem resgatar o período de bonança vivenciado em Belém no passado, ainda que de uma maneira diferente.
“O edifício foi construído em um momento em que a cidade de Belém, embora ainda estivesse sob o impacto da crise econômica iniciada desde o final do chamado ciclo da borracha, vivia um momento de iniciativas modernizadoras que, desde a década de 1930, buscava recuperar aquela Belém de outrora, porém a partir de uma nova ideologia de modernização da chamada Era Vargas”, explica a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA) e líder do Grupo “Arquitetura, Cultura e Modernidade”, Celma Chaves Pont Vidal, que pesquisa sobre a arquitetura moderna em Belém há mais de vinte anos.
A pesquisadora lembra que as crises da década de 1940 vivenciadas na cidade – e que envolveram os serviços públicos, serviços de transporte, de abastecimento alimentício, entre outros - só começaram a se dissipar após a Segunda Guerra Mundial, quando o movimento gerado pela guerra provocou um sensível aumento populacional na cidade e o processo de verticalização, que já tinha iniciado de forma mais tímida durante a década de 1930, começou a tomar um ritmo mais acelerado.
Foi quando se acompanhou, segundo destaca a professora, “o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitscheck, o investimento do capital remanescente da época da economia da borracha, e as normativas que incentivavam a construção de edifícios em altura na avenida Presidente Vargas, especialmente a Lei 3.450 de 1956, que buscava uma verticalização quase compulsória, ao forçar a construção de edifícios de no mínimo 12 pavimentos na Presidente Vargas e de no mínimo 10 em suas transversais, medidas derivadas das propostas contidas no Plano de Urbanização de Belém do ano de 1943, elaborado pelo engenheiro Jerônimo Cavalcante, que fora prefeito de cidade por apenas seis meses”.
Em meio a esse cenário, Celma aponta que, no primeiro momento, a tão sonhada verticalização se restringiu à Presidente Vargas. Somente depois, com o passar do tempo, é que o processo foi se desenvolvendo de forma intermitente durante as décadas de 1940 e 1950, se consolidando durante os anos 60, cujo ápice foi a inauguração do edifício Manoel Pinto da Silva. “Os primeiros edifícios em altura começaram a ser construídos no final da década de 1930, como o Edifício Bern de 1938/40; o Edifício Costa Leite, de Judah Levy e Davi Lopes, um arquiteto português, também do final dessa década; o Piedade de 1946, também do Judah Levy; o Edifício Dias Paes de 1945, onde hoje funciona o Banpará”, cita a pesquisadora. “Porém, mesmo com o crescimento das construções em altura, estas se concentravam na Presidente Vargas e paulatinamente foi se estendendo ao que chamamos do “eixo de modernização” da cidade nesse momento, seguindo em direção à Avenida Nazaré e suas transversais, e à Almirante Barroso”.
Acompanhando a tendência de modernização da época, o Edifício Palácio do Rádio foi encomendado pelo dono de uma emissora de rádio e, desde o início, tinha a característica de conciliar diferentes atividades. Em decorrência de sua inauguração, ocorrida em 15 de dezembro de 1956, os jornais da época deram destaque às inovações que o edifício trazia para a cidade. “Segundo as fontes históricas, foi o primeiro edifício a apresentar “incinerador de lixo”; a utilização de material nobre como o mármore em seu hall de entrada, na fachada, nas escadas; ascensoristas para auxiliar a subida e descida dos convidados às festas, além de ser uma edifício de um volume majestoso, onde se instalaram vários serviços como o restaurante, um bar e “boite”, como se divulgava na imprensa da época; No edifício se localizava o escritório da Rádio Clube do Pará, que era coproprietária do imóvel, e posteriormente à inauguração do edifício foi construído o Cine-teatro, o nosso saudoso Cine Palácio, também uma inovação em termos de empreendimento imobiliário na cidade”, destaca a professora Celma Chaves Pont Vidal. “A maioria dos edifícios desse momento eram de uso misto, com lojas no térreo e apartamentos nos outros pavimentos; ou, como no caso do Palácio do Rádio, com lojas e diferentes tipos de usos nos outros pavimentos como apartamentos e salas comerciais”.
A característica de abrigar diferentes usos em um único imóvel permanece até os dias de hoje no Edifício Palácio do Rádio. No térreo do prédio, muitos serviços ainda são oferecidos e mesmo nos andares superiores há a convivência entre os apartamentos habitacionais e os utilizados como escritório, em ambos os casos não faltam histórias a respeito do famoso edifício.
No caso da aposentada Iara Rosa Lobo Pacheco, 69 anos, o Palácio do Rádio já guarda as histórias da família há mais de 40 anos. A moradora conta que sua mãe, Terezinha, foi síndica do prédio por 25 anos e até hoje a sua memória é lembrada por lá. “Aqui é bom, é perto de tudo, tem a facilidade de estar perto dos bancos, da Praça da República, tem o Pavulagem em junho aí na porta, Círio, enfim. A minha família mora aqui há mais de 40 anos”, conta. “Por 25 anos a minha mãe foi síndica aqui. Eu morei aqui, depois morei no outro apartamento, no sétimo andar, depois me casei e saí do Palácio do Rádio e, então, enviuvei e voltei para cá de novo. Tem oito anos que a minha mãe faleceu e eu estou aqui”.
Dentre as histórias que sua mãe contava sobre o edifício, Iara lembra do funcionamento do salão de festas onde eram realizados os encontros do Automóvel Clube. “Aqui teve, há muitos anos, o negócio das festas que eles chamavam de Automóvel Clube, o décimo terceiro andar era um salão só, depois é que venderam e dividiram os apartamentos. Tinha a Rádio Clube, no segundo andar, que era da família Proença. Tinha muita gente, como o doutor Bittencourt que tinha o laboratório aqui, também teve muito escritório porque aqui é um prédio misto, ele tanto é comercial, como residencial.
E mantém isso até hoje”, conta, ao mostrar a vista privilegiada que a sacada do apartamento proporciona, onde é possível ver desde a Baía do Guajará, até localizar as torres de igrejas históricas da cidade, como a Igreja das Mercês, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e a Igreja de Sant’Ana. “Eu moro aqui e eu gosto, sabe? Todo mundo se conhece. Como qualquer comunidade com muita gente, tem os prós e tem os contras, mas é assim mesmo. Eu gosto daqui”.
Fonte: DOL
Texto: Cintia Magno
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