Músico de Ananindeua conta sobre os desafios de trabalhar oferecendo cultura nas ruas

 Gabiru Cigano fez do carimbó e dos ritmos amazônicos seu ofício e batalha diariamente para conseguir o pão de cada dia com a cultura.

Sávio Lima/Divulgação

O ano era 2016. Gabriel Pinheiro pegou seu banjo e pela primeira vez tocou na rua. Foi em Icoaraci. O lugar, considerado um templo do carimbó paraense, parece que deu a benção ao músico, abrindo as portas para um mundo novo: o das pessoas que ganham seu pão fazendo arte na rua. Acompanhado de grandes nomes do carimbó da capital, Gabriel foi fazendo seu caminho até se tornar ‘Gabiru Cigano’, nome artístico relacionado diretamente com sua espiritualidade.


Antes de ‘manguear’ pelas ruas, Gabiru (ainda como Gabriel) tocou mais de dez anos no grupo de carimbó Estrela do Norte. Foi ali que aprendeu muitas coisas sobre a música paraense, mas quando saiu, em 2016, percebeu que havia algumas outras coisas que só era possível aprender com a experimentação musical. Não se desligou do grupo, mas começou a se inserir em vários. O carimbó é das ruas, assim nasceu, sempre sendo perseguido pelo tal do poder público. Era preciso se voltar a essas pessoas que representavam a arte do carimbó fora das instituições convencionais.

“Comecei a fazer relação com pessoas do grupo ‘Cobra Venenosa’, com os ‘Africanos de Icoaraci’, mestre Ney Lima, mestre Thomaz, pessoas que expandiram minha visão e que me deram coragem para fazer o trabalho nas ruas. Comecei a ir pra rua com essa galera pra tocar carimbó e passar o chapéu, e as coisas foram acontecendo naturalmente”, diz Gabiru, que hoje toca com principalmente no Ver-o-Peso, em frente ao Solar da Beira e do Mercado de Carnes.

“Hoje faço esse trabalho junto com Flor de Mururé e Heron Rodrigues. Formamos o grupo ‘Carimbó Selvagem’. Tocamos quase todos os dias. Mesmo sendo em um ponto turístico, nunca é fácil, mas sempre nos motivamos na força de que estamos oferecendo a verdadeira cultura do nosso estado para todos que ali passam, que o que fazemos talvez não seja tão vaorizado pelas autoridades, mas quando foi diferente? É preciso resistir, o carimbó sempre foi assim”, diz o morador conjunto Júlia Seffer que também faz parte de outros grupos, como Trio da Mata e sua Fauna, Vagalumes da Marambaia, Carimbó Curupere e grupo Estrela do Norte, onde começou.

Gabiru Cigano é um trabalhador dos ritmos amazônicos. A liberdade é a condição, mas a responsabilidade com a vida também. Trabalhar nas ruas requer sacrifício diário, motivação constante. O sol quente, a chuva, o calor, as faces que muitas vezes fazem não enxergar as pérolas musicais. Tudo isso são obstáculos que Gabiru e os artistas de rua enfrentam diariamente. É preciso gingado. Assim como acontece com qualquer outro trabalhador, no final do dia, ao chegar em casa, é precisar trazer o pão. 

“Eu estou mais seguro com o carimbó de rua, sinto que encontrei meu local como artista. É de onde vem meu fomento, é que me fortalece, é de onde vem começam a vir as inspirações. Tocas nas ruas é difícil, mas muito prazeroso artistícamente, pois vivemos muitas coisas, temos muitas percepções a partir do espaço ocupado. Isso tudo vai se refletindo em criação, em letras, e aí eu começo a firmar meu trabalho autoral”, diz Gabiru, que pretende lançar um álbum este ano, relatando essas experiências.

Por fim, antes de partir para mais um dia de trabalho, Gabiru respira fundo e responde sobre se considera ter atendido a um chamado do carimbó. “Como todo bom paraense, a gente entende que existe um misticismo que atravessa todo e qualquer trabalho, toda e qualquer missão. E acima de tudo a gente tá num local de encantaria. O carimbó tem seus os seus protetores, tem os seus mandados. Então é muito importante sempre estar entrando de maneira humilde e sincera nesse local, porque acima de tudo é trabalhando com essas energias que a gente vai seguir nosso trabalho”, finaliza, partindo para o ver-o-peso. Mais um dia de trabalho tem pela frente. Sua filha o espera.


Fonte: O Liberal 
Texto: Igor Wilson

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