Escritora fala sobre ‘Gabriela, Cravo e Canela’, de Jorge Amado, que completa 65 anos

 Em alusão ao mês da mulher, a escritora Paloma Franca Amorim explica a importância da obra de Jorge Amado

Reprodução / Arquivo pessoal
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"Gabriela, Cravo e Canela", romance de Jorge Amado, completou 65 anos em 2023, e ganhou edição comemorativa. A personagem Gabriela estava à frente de seu tempo em 1958, quando foi escrita, mas em 2023 é lida e repensada, dizem os leitores do escritor. Em alusão ao mês da mulher, a Redação Integrada de O Liberal convidou a escritora, dramaturga e professora de teatro, Paloma Franca Amorim a explicar a importância de Gabriela na literatura e recomendar obras de mulheres escritoras.

A escrita de Jorge Amado oferece valor histórico e estético da cultura brasileira, diz Paloma Franca. Para ela, as impressões das personagens e o contexto sócio-político-ambiental em que estão inseridas são encontradas no livro. "Gabriela é uma mulher que espelha um tempo vindouro ali na época em que se passa o romance, os anos 20 de uma cidade do interior baiano. Uma relação metonímica na qual Gabriela é a modernidade vibrante em um lugar que ainda guarda os vestígios do conservadorismo e das tradições de gênero. Gabriela é a erupção da liberdade moderna, uma ideia de liberdade que expressa na autonomia individual um elemento importante de seu discurso", avaliou.

Escrita na década de 50, retratando uma sociedade da década de 20 do século 20, a personagem cria perturbações e dimensão disruptiva, afirma Paloma. No entanto, pensando-a em 2023, a escritora diz que é preciso atualizar a visão sobre a mulher, principalmente, a mulher preta. "Gabriela surgia como uma forma de perturbação dos sentidos configurados pela tradição das relações entre homens e mulheres, entre as cidades e as cidadãs e também nas questões que dizem respeito ao desejo feminino e o direito sobre ele", começou.

"Se dentro do tempo ficcional a personagem está à frente dos costumes, no tempo da cultura literária brasileira a personagem hoje me parece expressar alguns elementos da visão sobre as mulheres, sobretudo as mulheres negras, que já não condizem com a atualização das intenções éticas e estéticas que se manifestam como responsabilidades dos autores e das autoras que vieram depois de Jorge Amado", arguiu.

A escritora continuou a explanar o assunto e se referiu a Gabriela de "Jorge", como alguém que fascinava pela capacidade de seduzir, inocência, libido e talentos culinários, no entanto, por ser uma mulher negra, hoje ela diz que a própria concepção da miscigenação mudou. "Mesmo a ideia de miscigenação hoje tem sido aprofundada em camadas densas, críticas, que seguem à contrapelo da positivação que Jorge Amado imprime na personagem. Se em Amado há certa alegria na mestiçagem brasileira, em Jeferson Tenório por exemplo encontramos um olhar que traduz a miscigenação como um projeto violento contra mulheres negras. E precisamos das duas perspectivas para observar por onde caminha nossa literatura dentro dessas questões. Volto à Gabriela porque preciso dela para encontrar as outras mulheres fortes da literatura que vieram depois", concluiu.

Questionada sobre qual mensagem a figura de Gabriela traz de exemplo pra sociedade atual, Franca ressalta que a lembra de ser livre e de uma fala do movimento feminista. "Quando uma mulher negra avança toda a sociedade avança junto com ela. Gabriela circula por Ilhéus espalhando por onde passa a sua experiência sertaneja e sua pulsão de vida como que dizendo: essa terra de riquezas também é minha. A caminhada da luta política das mulheres me parece conter essa essência de Gabriela em Ilhéus: depois que a gente passa a ocupar com nossa força, desejo e liberdade nossos espaços de direito eles nunca mais voltam a ser os mesmos", finalizou.

Sugestão da entrevistada

"Eu sugiro dois olhares super interessantes sobre a obra de Jorge Amado, sua participação na cultura brasileira e sua dedicação na escrita de livros que refletissem uma visão de mundo ideológica e esteticamente constituída:

Biografia escrita pela pesquisadora Josélia Aguiar (Jorge Amado – Uma Biografia, editora Todavia) e os artigos reflexivos da escritora Amara Moira a propósito das questões de gênero encontradas em Jorge Amado, especificamente no livro “Capitães de Areia”, são falas que expandem nossa consciência crítica sobre esse tema dentro da literatura.

Ouçam 'tema de Amor de Gabriela' de Tom Jobim baseada na relação entre Gabriela e Nacib, a canção foi lançada em 1983 com a inesquecível interpretação de Gal Costa".

5 livros escritos por mulheres com protagonistas fortes por Paloma Franca Amorim

1. “Ponciá Vicêncio”, de Conceição Evaristo

2. “Flor de Gume”, de Monique Malcher

3. “A Pianista”, Elfriede Jelineck

4. “Cartas para minha mãe”, de Teresa Cárdenas

5. “Amada”, Toni Morrison


Fonte: O Liberal 

Texto: Emanuele Corrêa



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