A arte e a beleza dos Jogos Quilombolas pelo olhar da fotografia
Grupo de fotógrafos registra o evento e mostra a força poética por trás da afirmação da cultura negra
A foto "Menino de Midas", da fotógrafa Elza cLima, foi uma das obras produzidas na viagem (Elza Lima) |
“Li o livro ‘Um defeito de cor’, de Ana Maria Gonçalves, e fiquei com vergonha de ser branca. Acho que o racismo é um dos piores exemplos de violência. O mundo evolui e não consegue superar a questão racial”. A frase é da fotógrafa Elza Lima, que integrou o grupo liderado por Jorge Teixeira, e que entre os dias 19 e 21 de novembro foi a Salvaterra, na Ilha do Marajó, encontrar com os líderes quilombolas para assistir aos jogos que acontecem no período de comemorações do mês da Consciência Negra.
Por iniciativa das lideranças locais, os jogos têm como intuito fortalecer os sentimentos de pertencimento, os laços de parentescos, assim como o reconhecimento étnico. Os jogos iniciaram há 10 anos e têm como duração quatro dias, em que reforçam a convivência entre as comunidades quilombolas da região.
Fizeram parte do grupo também Sara Nacif, Marilu Cruz, Glauber Nascimento, Glaycianne Aquino, Augusto Ferreira, Aline Lima e Conce Miranda. Eles buscaram registrar um pouco dos valores, a sabedoria e a cultura destes povos, valorizando a beleza afrodescendente e a paisagem paradisíaca marajoara.
Imagens que dão um contraste diante a atual violência colonial - que passa por um período histórico de expropriação. Além disso, para conscientizar a população sobre quão rica é esta cultura que tenta sobreviver dentro da Amazônia, eles ressaltaram a temática dos jogos.
Neste ano, o evento foi realizado no quilombo Deus Ajude. São quinze as comunidades que se intitulam quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares: Bacabal, Bairro Alto, Caldeirão, Pau Furado, Providência, Campina, Vila União, Salvá, São Benedito, Mangueiras, Deus Ajude, Paixão, Siricari, Rosário e Boa Vista. Cada uma delas possui uma história particular que está interligada a relatos de ocupação desde a introdução do regime escravocrata, no fim do século XVII.
A lenda da criação do mundo Caruana, que permeia a ilha do Marajó, por exemplo, é remanesceste de antigas etnias que acreditavam na existência de seres espirituais que viviam debaixo das águas. Executado por pajés, os rituais de cura servem para livrar as pessoas de doenças e feitiços. A pajelança cabocla é uma religiosidade genuinamente amazônica, e que hoje tem muita influência da lendária Pajé Zeneida Lima. “Eu vou para a ilha do Marajó desde criança e ali molda a minha forma de olhar. Toda vez eu fico encantada. Lá, eu sinto que as Caruanas me habitam”, afirma Elza Lima.
Com uma personalidade e um estilo de vida bem paraense, aos 70 anos, a fotógrafa Elza Lima tem uma relação muito forte com a água. Hoje ela viaja pela Amazônia retratando a beleza incomparável desta região extraordinária que possui a mais densa concentração cultural do mundo. Intuitiva, ela não trava a naturalidade do nativo local.
“Eu acho que o papel da cultura é fundamental. Isso se viu muito na época da pandemia. Os artistas foram um dos primeiros a tomar uma atitude. Acredito ser o canal que escoa toda a dureza do mundo, e arte é o que nos molda no mundo da sensibilidade”.
Cria da Fotoativa, escola liderada pelo fotógrafo Miguel Chicaoka, Elza Lima integra o grupo de fotógrafos e artistas que deixaram suas primeiras marcas na década de 1980, no Pará, com suas artes e iniciativas, Elza foi a artista homenageada da edição deste ano do Arte Pará e nas palavras de Paulo Herkenhoff, curador do projeto, “a artista contribui para a consolidação do olhar amazônico, que é simultaneamente reflexão e amorosidade”.
“Com um olhar sensível à visualidade da região e peculiaridades do Pará, a fotógrafa paraense constrói uma trajetória marcante com as imagens que captura com sua câmera e nas quais faz uso da luz local para transmitir o ambiente em que ela própria vive. Elza tem nos seus trabalhos a função social da arte quando mostra a realidade de forma fluida a partir de sua pesquisa, procurando aliar documentação e subjetividade”, afirma Herkenhoff.
Fonte: O Liberal
Texto: Camila Lanhoso Martins
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