Proclamação da República: historiador explica o significado dessa data histórica
Na Praça da República, em Belém, foi erguido "Monumento à República", que tem inspiração na República Francesa
A Proclamação da República é comemorada nesta terça-feira, dia 15 de Novembro. Professor da Universidade da Amazônia (Unama) e da Universidade Estadual do Pará (UEPA), o historiador Diego Pereira Santos disse que o conceito de República é um conceito polissêmico.
Ou seja, tem mais de um significado. “Normalmente, quando nós pensamos o conceito de República, ele vai estar ligado à ideia de uma comunidade política organizada”, disse.
A presença dessa comunidade política organizada ligada diretamente à questão do Estado. “Então, quando nós pensamos no sentido disso, a gente passa a pensar especialmente a partir dos teóricos do Século 18 a ideia da presença desse Estado mais corporificado, mais condensado, a partir das próprias expectativas da sociedade civil. Então a participação do povo passaria a ser um elemento de grande relevância diante da ideia do Estado e, portanto, da compreensão da República”, afirmou.
Nesse sentido, a Proclamação da República, em 15 de Novembro de 1889, traz exatamente essa reflexão do que foi esse evento, no Rio de Janeiro. “E é exatamente nesse dia que nós devemos pensar essa presença da sociedade civil organizada naquele contexto e já movimentando, inclusive, diversas visões sobre a sua compreensão da própria República naquele contexto”, explicou.
Essa República nascente, naquele final do século 19, traz ali algumas perspectivas bastante interessantes, segundo o historiador. “Porque essa República está atrelada a um sentido que vai se concretizar nos últimos anos, que é a própria relação com a democracia. Então, no século 19, nós temos ali uma sociedade que está vivendo profundas transformações”, disse.
Transformações como a Abolição da Escravidão, que se deu um ano antes da Proclamação da República, a imigração e a própria urbanização. “Então essas mudanças operadas na sociedade começam a ser percebidas pela própria população, não necessariamente aqueles que vão estar diretamente ligado ao ato”, disse.
Há frequentemente uma visão sobre a Proclamação da República que vai destacar esse momento como um golpe militar
O professor Diego Pereira disse que há frequentemente uma visão sobre a Proclamação da República que vai destacar esse momento como um golpe militar. Um golpe inclusive, segundo o Celso Castro, que é um autor que discute bem essa questão da Proclamação, até mais efetivo do ponto de vista da participação dos militares do que propriamente até o golpe de 64.
“Mas não é pelo menos esse olhar que a gente deve ter em relação à República. Essas transformações que a sociedade passava foram percebidas na rua. A rua é o momento em que as pessoas, de forma muito mais espontânea, começam então a pensar essas mudanças, a afirmar essas transformações e isso vai se dar ao longo dessas décadas finais do período monárquico, na época do segundo reinado, até efetivamente a Proclamação da República”, contou.
Esses são momentos que vão condensando a ideia de uma Proclamação da República. “Ela não nasceria tão somente nos corpos militares. E aí é interessante pensar, entre as baixas patentes, entre a baixa oficialidade, ela surgiria a partir dali. A partir de um grupo que, no Rio de Janeiro, se denominava ‘Tabernáculo da Ciência’”, disse.
Era um grupo que estudava várias ciências naquele momento - Humanismo, Evolucionismo, o próprio Darwinismo e que começa a se articular dentro de uma perspectiva da meritocracia. Muito influenciado, inclusive, pelo seu professor de Matemática da Escola Militar da Praia Vermelha, que era o Benjamin Constant.
Esse é um movimento importante que está acontecendo dentro dessa escola militar. “Mas há um movimento externo. Um movimento que ganha as ruas e que deve ser percebido a partir dela também, especialmente na rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Esses dois movimentos são bem interessantes serem pensados de forma conjugada”, disse.
Há uma nova percepção sobre a Proclamação da República
Ainda que, segundo o historiador, uma das questões mais relevantes em relação à ideia da República seja se de fato ela foi simplesmente uma quartelada ou um movimento militar ou teve a participação da sociedade civil. “Há uma frase do Aristides Lobo (jurista, política, jornalista), e que marcou muito os estudos históricos sobre isso, que é a ideia de que o povo assistiu bestializado, atônito, os eventos”, disse.
Mas, segundo o historiador, há uma nova percepção sobre isso. “Se essa é a visão inicial, de que teria sido apenas um movimento militar, hoje isso é recuperado com a necessidade da gente compreender a participação direta do povo. E é o povo exatamente o principal elemento que deve ser colocado nessa compreensão da Proclamação da República”, afirmou.
Para o povo, a Proclamação da República representa exatamente aspirações de uma ideia de modernidade. Uma ideia de questionamento ao atraso que, muitas vezes, se refletia já naqueles anos finais da monarquia.
Historiador fala sobre monumento erguido na Praça da República, em Belém
O historiador Diego Pereira também comentou sobre o “Monumento à República” erguido na Praça da República, em Belém. E que, no alto de uma coluna de 22 metros, traz a figura de Marianne - a alegoria feminina republicana francesa. “A Praça da República é um dos grandes marcos desse movimento aqui na nossa capital. Ela tem a ver com monumento, ‘a República’, inaugurado em 15 de novembro de 1897. E teria ali uma perspectiva de se pensar o movimento que teria chegado ao poder exatamente no dia 16 de novembro de 1889.
Isso porque, no caso do Pará, não houve uma Proclamação da República. “O que nós tivemos aqui teria sido uma aclamação da República no dia 16 (de novembro de 1889). Por isso, comemoramos e temos referências a essas duas datas, inclusive nas ruas de Belém. E essa memória da cidade relacionada então a essas efemérides: o 15 de Novembro, mas também ao 16 de Novembro”, explicou.
O logradouro, à época, não era chamado Praça da República. Até o final do século 19 era o Largo da Campina. Depois, ali, se construiu um armazém de pólvora e passou a se chamar de “Largo da Pólvora”. Depois ainda recebeu outro nome, que foi a Praça Dom Pedro II, na época do Império.
Ser republicano é exatamente ser pensado como um sujeito político
E, em seguida, com essa urbanização, com essas transformações e com a própria inauguração do Teatro de Nossa Senhora da Paz, lá por volta de 1878, é que vai ter a praça sendo pensada como uma Praça da República e, aí, representativa desse novo momento.
“Essa simbologia tem a ver com o contexto do século 19, inclusive a ideia do Theatro da Paz relacionava-se à Guerra do Paraguai, que tinha ocorrido alguns anos antes. A ideia da paz, a ideia também de uma República que se queria aguerrida. Pelo menos esse é o primeiro sentido ligado ao monumento da Marianne”, disse.
E, depois, há uma transformação de uma República mais branda. “Uma República mais ordeira, vamos dizer assim. Muito ligada inclusive aos ideais que, naquele momento, circulavam, entre eles o próprio Positivismo”, disse.
“Ser republicano, portanto, é uma questão sempre interessante de se pensar na contemporaneidade. Porque ser republicano é exatamente ser pensado como um sujeito político e todos nós o somos em essência”, afirmou.
O historiador afirmou: “Essa prática política do qual todos fazem parte e é um corpo tão diverso, lembrando a ideia do termo que eu citava no início. A ideia de uma comunidade política organizada, mas uma comunidade política que está sempre a caminho de um debate e de uma experiência democrática. Uma experiência na qual as relações sociais sejam pautadas por um respeito ao outro, respeito à diferença, respeito à liberdade de expressão”.
Proclamação ganha um sentido de democratização
Ele completou: “Esse seria um sentido muito interessante pra nós pensarmos em particular aquilo que foi o nosso grande modelo de República, que foi a República Francesa. Não à toa, o símbolo da mulher na República do Pará, a Marianne, é uma representação da República Francesa afirmada durante o desenvolvimento da própria revolução”.
E ela corporifica o sentido dessa ideia de liberdade. E a representação do ser livre para expor seus pensamentos, ter liberdade de expressão, ter a possibilidade de um diálogo, que seja um diálogo frutífero com o outro. “Então essa é uma experiência democrática importante”, afirmou.
A República, portanto, ganha nos últimos anos exatamente essa aproximação, especialmente a partir da redemocratização brasileira. “Um sentido de democratização. E é assim que ele vai ser pensado desde o final do século 19. Mas é uma experiência que vai ganhando corpo ao longo do tempo. Então a República passa a ser pensada como um problema que deve ser atinente exatamente à própria ideia do povo”, afirmou.
Historiador fala sobre papel de Deodoro da Fonseca
O historiador também disse que Deodoro da Fonseca era uma liderança entre os militares. “Deodoro, pelo menos alguns dizem, um monarquista. Alguém que tinha uma ligação muito forte com a Monarquia. Mas era uma figura muito interessante para se pensar naquele contexto”, disse.
Como Deodoro era um consenso entre os militares das altas e das baixas patentes, ele foi convidado a participar como uma grande liderança do próprio movimento. Alguns biógrafos dizem até que ele não estava bem de saúde no dia da própria Proclamação da República, em 15 de novembro.
“Mas ele é convidado porque ele era uma figura que conseguia congregar. Era alguém que representava a ideia de consenso entre os militares entre as altas patentes e as baixas patentes e esse talvez tenha sido um dos principais elementos que vai fazer com que ele tome então a frente desse movimento e decrete as primeiras medidas do novo governo, inclusive. A partir do momento em que ele então passa a ser o primeiro presidente disso que nós chamamos exatamente de República”, afirmou.
Fonte: O Liberal
Texto: Dilson Pimentel
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