21 de março — Dia Mundial da Poesia

 



Como surgiu o Dia Mundial da Poesia?

 

O Dia Mundial da Poesia surgiu na XXX Conferência Geral da Unesco, no ano de 1999, quando foi escolhido o dia 21 de Março para a comemoração anual dessa arte que atravessa os séculos. Tal iniciativa teve o intuito de dar um “reconhecimento e impulso novos aos movimentos poéticos nacionais, regionais e internacionais”, segundo informa a ata |1| da conferência.

 

A criação dessa data tem o objetivo de promover a diversidade das línguas, “já que, por meio da poesia, os idiomas ameaçados terão maiores possibilidades de se expressar dentro de suas comunidades respectivas”. Além disso, significa a “aceitação da palavra como elemento que socializa e estrutura a pessoa” e “pode ajudar os jovens a redescobrir valores essenciais”, além de que “lhes permite refletir sobre si mesmos”.

E, por fim, porque, “como a poesia é uma arte que tem suas raízes na palavra, tanto escrita como oral, toda atividade em seu favor deveria contribuir para a intensificação dos intercâmbios interculturais internacionais”.

 

O que o Dia Mundial da Poesia comemora?

O Dia Mundial da Poesia é uma data que comemora não só a arte de fazer poemas, mas o papel que a poesia representa em qualquer sociedade, por ser instrumento de união e também de contestação. Assim, todos os anos, a Unesco emite uma mensagem comemorativa que coloca o foco em temáticas ou problemas que eventualmente podem ser discutidos pela arte poética.

Nos comunicados mais recentes, como o de 2015, a Unesco, por meio de sua diretora-geral, citou o poeta escocês John Burnside, para assim enaltecer o “poder da poesia”, “o poder da imaginação para iluminar a realidade, para inspirar os nossos pensamentos com algo mais criativo do que o desânimo”.

Em 2016, uma citação do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare abriu o comunicado, para “prestar homenagem aos homens e mulheres cujo único instrumento é a liberdade de expressão, [homens e mulheres] que imaginam e agem”.

O poeta estadunidense Henry Wadsworth Longfellow foi citado em 2017, devido às suas palavras de esperança, “em um momento em que os desafios que enfrentamos — desde a mudança climática, desigualdade e pobreza até o extremismo violento — parecem tão árduos”.

Em 2018, o poeta escolhido foi o americano Langston Hughes, que “colocou sua arte a serviço da luta contra a discriminação sofrida pela comunidade afro-americana”.

O destaque em 2019 foi para o poeta canadense Wayne Keon, em homenagem à poesia indígena, “para celebrar o papel único e poderoso que a poesia tem de se opor à marginalização e à injustiça, assim como de unir as culturas no espírito da solidariedade”.

Nesses comunicados, a Unesco, por meio de seu diretor ou diretora-geral, dá indicações da importância do dia 21 de março e do que ele comemora. Na mensagem de 2016, a diretora-geral Irina Bokova disse: “Hoje, eu aplaudo os profissionais, atores, contadores de histórias e todas aquelas vozes anônimas comprometidas com e por meio da poesia, realizando leituras nas sombras ou nos holofotes, em jardins ou nas ruas”.

Em 2017, ela escreveu: “Ao celebrar a poesia hoje, nós celebramos nossa capacidade de nos unir, em um espírito de solidariedade, para escalar ‘os cumes nebulosos do nosso tempo’”.

A diretora-geral Audrey Azoulay, em 2018, declarou: “Este dia é também a ocasião para se prestar homenagem a todas as pessoas que trazem à vida essa importante arte: os poetas, é claro, mas também os tradutores, editores e organizadores de leituras e festivais de poesia”.

Ficou claro, portanto, que, no dia 21 março — Dia Mundial da Poesia —, o mundo homenageia a poesia, o poeta e a poetisa, os tradutores, os editores, os leitores e as línguas, além, é claro, de ser um dia de reflexão sobre as inúmeras temáticas que perpassam os versos de todos os poetas e poetisas do passado e do presente.

 

Grandes nomes da poesia

A lista dos grandes nomes da poesia mundial é extensa, portanto escolhemos cinco deles para homenagear:

·         Arthur Rimbaud

Arthur Rimbaud (1854-1891) é um poeta francês simbolista. É considerado um gênio que revolucionou a poesia francesa. Em 1871, conheceu o poeta francês Paul Verlaine (1844-1896), já reconhecido como escritor, com quem teve um relacionamento amoroso. Verlaine foi o grande divulgador da poesia de Rimbaud.




 

Os dois viajaram juntos para Londres, onde viveram por algum tempo. Acredita-se que foi durante esse período na Inglaterra que Rimbaud escreveu suas duas obras-primasIluminuras e Uma temporada no inferno. Em 1873, os dois poetas separaram-se, Rimbaud abandonou para sempre a literatura e foi viver na África.

A seguir, um dos sonetos mais conhecidos e estudados de Arthur Rimbaud:

 

Vogais

A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul, vogais,

Ainda desvendarei seus mistérios latentes:

A, velado voar de moscas reluzentes

Que zumbem ao redor dos acres lodaçais;

E, nívea candidez de tendas e areais

Lanças de gelo, reis brancos, flores trementes;

I, escarro carmim, rubis a rir nos dentes

Da ira ou da ilusão em tristes bacanais;

U, curvas, vibrações verdes dos oceanos,

Paz de verduras, paz dos pastos, paz dos anos

Que as rugas vão urdindo entre brumas e escolhos;

O, supremo Clamor cheio de estranhos versos,

Silêncios assombrados de anjos e universos;

— Ó! Ômega, o sol violeta dos Seus olhos! [1]

 

 

·         Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) é um poeta mineiro modernista, considerado um dos maiores poetas brasileiros lidos na atualidade. É marca de sua poesia a temática do cotidiano. Em 1928, passou a ser conhecido ao publicar, na Revista de Antropofagia, o seu poema No meio do caminho, que provocou bastante polêmica no meio literário.




 

Durante cinquenta anos, escreveu para jornais. Além disso, publicou vários livros de poesia e tornou-se influência para jovens poetas da Argentina, do Chile, do México e do Peru. Foi professor de Português em Itabira, sua cidade natal, e trabalhou como redator-chefe no jornal Diário de Minas, em Belo Horizonte. Ingressou no funcionalismo público em 1929, trabalho que exerceu até a sua aposentadoria.

A seguir, o poema que fez de Carlos Drummond de Andrade um poeta conhecido:

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.[2]

 

·         Emily Dickinson

Emily Dickinson (1830-1886) é uma poetisa americana romântica. Seu primeiro volume de poemas só foi publicado em 1890, após a sua morte, e fez muito sucesso. Dickinson viveu uma vida reclusa e nunca se casou. As inúmeras cartas que escreveu são lidas e relidas na tentativa de colocar luz sobre a sua vida – para muitos, obscura.

 


A morte, um dos principais temas da poesia de Emily Dickinson, é o assunto do poema a seguir:

Porque não pude parar p’ra Morte

Porque não pude parar p’ra Morte, ela
Parou p’ra mim, de bondade.
No coche só cabíamos as duas
E a Imortalidade.

Viagem lenta — Ela não tinha pressa,
E eu já pusera de lado
O meu trabalho e todo o meu lazer,
P’ra seu exclusivo agrado.

Passamos a escola — no ring crianças
Brincavam de lutador —
Passamos os campos do grão pasmado —
Passamos pelo sol-pôr —

Melhor dizer, ele passou por nós.
E o sereno baixou gélido —
E era de gaze fina a minha túnica —
E minha capa, só tule.

Paramos numa casa; parecia
Um intumescido torrão:
O telhado da casa mal se via,
A cornija rente ao chão.

Desde então faz séculos — mas parecem
Menos que o dia, em verdade,
Em que vi, pelas frontes dos cavalos,
Que iam rumo à eternidade. [3]

 

·         Federico García Lorca

·         Federico García Lorca (1898-1936) é um poeta espanhol modernista da chamada “Geração de 27”. Além de poesia, ele também escreveu para o teatro, ao qual se dedicou mais intensamente nos últimos anos de sua vida.



 É considerado o poeta espanhol mais lido de todos os tempos.

·         A seguir, um de seus poemas do livro Poeta em Nova Iorque:

·         1910 (Intermezzo)

·         Aqueles olhos meus de mil e novecentos e dez
não viram enterrar os mortos,
nem a feira de cinzas daquele que chora pela madrugada,
nem o coração que treme acossado como um cavalo marinho.

·         Aqueles olhos meus de mil e novecentos e dez
viram a parede branca onde as meninas mijavam,
o focinho do touro, o cogumelo venenoso
e uma lua incompreensível que iluminava pelos ermos
os pedaços de limão seco sob o duro negro das garrafas.

·         Aqueles olhos meus no pescoço da eguinha,
no peito transfixado de Santa Rosa adormecida,
nos telhados do amor, com gemidos e mãos frescas,
num jardim onde gatos comiam rãs.

·         Desvão onde o pó antigo congrega estátuas e musgos,
caixas que guardam o silêncio de caranguejos devorados
no lugar onde o sonho tropeça com a realidade.
Ali, os meus pequenos olhos.

·         Não me pergunte nada. Vi que as coisas
quando buscam seu curso encontram seu vazio.
Há uma dor de ocos pelo ar sem gente
e em meus olhos criaturas vestidas — sem nudez! [4]

 

·         Maya Angelou

Maya Angelou (1928-2014), pseudônimo de Marguerite Johnson, é uma poetisa americana. Foi cantora, dançarina, atriz, compositora e a primeira diretora negra de Hollywood, além de editora, ensaísta, dramaturga e poetisa. Também atuou como professora na Wake Forest University.


 

Ativista dos direitos civis, trabalhou com Martin Luther King Jr. e Malcolm X. Em 2000, recebeu a Medalha Nacional das Artes das mãos do presidente Bill Clinton e, em 2010, a Medalha Presidencial da Liberdade, entregue pelo presidente Barack Obama.

A seguir, um dos poemas mais conhecidos de Maya Angelou:

Ainda assim eu me levanto

Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.

Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.

Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.

Você não queria me ver quebrada?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
Minh’alma enfraquecida pela solidão?

Meu orgulho o ofende?
Tenho certeza que sim
Porque eu rio como quem possui
Ouros escondidos em mim.

Pode me atirar palavras afiadas,
Dilacerar-me com seu olhar,
Você pode me matar em nome do ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.

Minha sensualidade incomoda?
Será que você se pergunta
Por que eu danço como se tivesse
Um diamante onde as coxas se juntam?

Da favela, da humilhação imposta pela cor
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, profundo na fé,
Crescendo e expandindo-se como a maré.

Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto. [5]

 

Notas

|1| Tradução dos trechos da ata aqui citados: Warley Souza.

|2| Tradução de Augusto de Campos.

|3| Tradução de Aíla de Oliveira Gomes.

|4| Tradução de Décio Pignatari.

|5| Tradução de Mauro Catopodis.

Crédito da imagem

[1] Maya Angelou in Baltimore/Commons

 

Por Warley Souza
Professor de Literatura  


Edição: Paulo Vasconcellos e Guilherme Silva
Fonte: Site Brasil Escola (Texto e fotos)

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