Cerâmica Koriabo é tema de livro lançado pelo Museu Goeldi e a Universidade de Leiden

 Koriabo é o estilo de cerâmica de povos indígenas que habitaram as regiões do Caribe, Guianas e Baixo Amazonas antes da invasão europeia

Cristiana Barreto

A complexidade histórica da região amazônica vem sendo tema de cada vez mais estudos que, ao analisarem o passado, tentam encontrar soluções para o presente e projetar planos para o futuro. Em mais um desses esforços acadêmicos, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em parceria com a Universidade de Leiden, nos Países Baixos, lançou o livro “Koriabo, do mar do Caribe ao Rio Amazonas”, que se debruça na análise dos povos que habitavam aqui antes de nós, tendo como base o estudo das peças de cerâmicas que foram deixadas pelos moradores originais da região.


Antes de se aprofundar no assunto, a arqueóloga Helena Lima, curadora da Coleção Arqueológica e pesquisadora titular do MPEG, reforça que é preciso explicar que “Koriabo” é um estilo de cerâmica produzida por povos indígenas que habitavam um território muito extenso, atravessando as fronteiras internacionais atuais, pouco antes da chegada dos europeus. “Não é uma etnia. Enquanto alguns dos conjuntos arqueológicos permitem trazer para o presente outros conjuntos, nós não conhecemos a etnia que produziu [essas peças]. Koriabo é um nome dado a um conjunto de cerâmicas, mas não necessariamente a uma etnia. Muito provavelmente, foi parte de um conjunto de cerâmicas que foi produzido e utilizado por diversas etnias ao longo do tempo, em um espaço tão amplo que conecta as Guianas, o Caribe e o Baixo Amazonas, até o Rio Xingu”, explica a pesquisadora.


A publicação é o primeiro resultado da colaboração entre arqueólogos que, até recentemente, trabalhavam separadamente nessas três regiões, mas estudavam o mesmo estilo de cerâmica muito característico. A troca de dados entre programas de pesquisa de vários países permitiu discutir como o singular estilo de cerâmica Koriabo adquiriu uma distribuição geográfica surpreendentemente ampla, mostrando como as culturas indígenas pré-colombianas e pré-cabralinas já tinham uma rede de integração  “É um pedaço importante da história da Amazônia isso que a gente está trazendo, mostrando como esses povos indígenas já eram ‘globalizados’, digamos assim. A gente imagina que eles viviam isolados no meio da floresta, mas não era bem assim. O que esse livro traz de novo é uma visão um pouco diferente dessas populações indígenas, que tiveram um passado muito mais conectado”, explica a arqueóloga Cristiana Barreto, pesquisadora do Programa de Capacitação Institucional do Museu Goeldi, onde integra a equipe das Ciências Humanas. 


Além de Cristiana e Helena, o trabalho foi co-organiazado com Stéphen Rostain, do Centro Nacional de Pesquisa Científica, na França; e Corinne Hofman, do Departamento  de Arqueologia da Universidade de Leiden. Originalmente, o livro foi lançado em janeiro no meio digital e segue disponível no Portal MPEG, mas agora, agora com a versão impressa, que está sendo distribuída entre bibliotecas nacionais e locais, com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) e da Organização Holandesa para Pesquisa Científica. Publicado em inglês, o livro é um dos resultados do “II Workshop Internacional sobre cerâmicas arqueológicas da Amazônia”, realizado no Museu Goeldi no ano de 2017, evento que reuniu arqueólogos, etnólogos, historiadores e linguistas de países como o Brasil, a Guiana, a França, a Alemanha e a Holanda.


Após apresentar um panorama inicial sobre a cerâmica Koriabo e os problemas colocados pela amplitude da sua distribuição geográfica, sua variabilidade contextual e uma surpreendente consistência estilística, o livro de 376 páginas se divide em três partes:  Koriabo no Caribe e Guianas; Koriabo no Baixo Amazonas; e Cerâmica, identidade cultural e território. Entre outras questões, os capítulos discutem como padrões de mobilidade, migração, redes de troca e compartilhamento de tecnologias e ideias moldaram não só estilos de cerâmica, mas também identidades culturais e suas dinâmicas de dispersão e mudança. Mas fica a pergunta: por que dedicar tanto tempo ao passado?


“Importa para que entendamos melhor os povos indígenas que ainda estão: o passado deles e o impacto que foi a colonização e o quanto da cultura deles foi destruída e eles foram dizimados, deslocados de seus territórios. Além desse tipo de organização social bastante extensa, que foi quebrada com a colonização”, explica a professora Cristiana Barreto. “A gente traz uma imagem das tradições indígenas que é positiva, diferente, que para eles, é muito importante hoje em dia, nesse momento que sua história está sendo apagada e estão sendo ameaçados de extinção novamente”, conta, reforçada pela professora Helena Lima. “Koriabo testemunha, mais uma vez, a grande diversidade de povos que habitaram a Amazônia. E eu acho que reconhecer essa diversidade e também contribuir, nos dias de hoje, com o respeito à sociodiversidade da Amazônia, Então, ultrapassa o limite da arqueologia e nos permite pensar na composição sociocultural da Amazônia hoje”, encerra.


O livro “Koriabo, do mar do Caribe ao Rio Amazonas” está disponível em versão digital e em inglês no site do Museu Emílio Goeldi;




Edição: Alek Brandão
Fonte: O Liberal (texto e imagem).

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