Ary Souza: um ano de saudade do ícone do fotojornalismo do Pará
O profissional talentoso que atuou 33 anos em O Liberal será homenagem com a criação de prêmio de fotojornalismo
A mistura inesperada de ousadia e sensibilidade fez de Ary Souza um ícone do fotojornalismo na Amazônia. Profissional admirado, vencedor de prêmios, poeta das lentes e colecionador de episódios folclóricos do jornalismo paraense, Ary se fez eternizar através de muitos cliques que narraram a história de Belém e do estado ao longo de 33 anos como repórter fotográfico de O Liberal. Ele faleceu há um ano, aos 63 anos. Em homenagem a ele – e sinal de saudade – o jornal lança o prêmio de fotojornalismo Ary Souza.
Orivaldo Ferreira de Souza, o Ary como gostava de ser chamado, nasceu em Abaetetuba e começou a fotografar aos 13 anos, em Belém. Fazia fotos 3X4 como contratado de uma pequena loja de fotografia. O negócio ficava ao lado da antiga sede do jornal O Liberal, na Rua Gaspar Viana, bairro da Campina. Ali, ele acabou conhecendo o fundador do jornal, Romulo Maiorana, que o contratou para trabalhar no veículo em 18 de março de 1987. Começava ali a história de uma vida de amor entre um homem e o fotojornalismo, entre Ary e O Liberal.
“Ele não tinha medo de nada. Ele se arriscava muito. Amava a profissão, nunca largava a máquina dele. Dizia que jornalista não se aposentava, só parava quando morria”, recorda Bernadete Tavares, com quem Ary foi casado por 33 anos, e teve dois filhos, Thomás e Matheus. “O Ary estava sempre com pressa de viver o máximo possível, parecia que a vida ia acabar amanhã”.
“Sempre destemido, sempre quebrando regras. Tudo para obter a melhor imagem, revelando aquilo que, muitas vezes, as autoridades tentavam esconder”, recorda o jornalista Dilson Pimentel, que trabalhou com Ary por 30 anos. “Foi um dos maiores repórteres fotográficos do Pará e do Brasil. Não media esforços para capturar as melhores imagens possíveis. Muitas vezes, viajou apenas com a roupa do corpo para fazer coberturas jornalísticas. Era pautado pela notícia. Sempre deixou a zona de conforto para exercer, com paixão, seu ofício. Que, aliás, nem era ofício. Era um prazer”.
O fotojornalista que se arriscava
Ary cobriu grandes notícias, como os acontecimentos subsequentes ao Massacre de Eldorado de Carajás, onde permaneceu um mês, em 1996, e o acidente aéreo ocorrido na cidade de Altamira, em 1990, quando se embrenhou na mata e driblou militares para acessar ao local em que estavam os restos da aeronave.
Não havia portas e muros para ele. Ary dava um jeito de chegar até a notícia e trazer as melhores fotos. “Nunca teve medo de estar à frente e nem de quebrar regras. Não se contentava com a versão oficial”, conta Dilson.
Ary registrou vários protestos em Belém e, algumas vezes, apanhou da polícia e teve o equipamento danificado. E, em um deles, na década de 1990, apanhou de policiais militares, teve o equipamento danificado e virou notícia, pois a foto dele sendo socorrido foi parar na capa de O Liberal. Em outra ocasião, caiu de cima de um camburão quando tentava fotografar Ivete Sangalo no trio elétrico, no Carnabelém, ocasião em que foi hospitalizado ao bater a cabeça.
“O Ary tinha o jornalismo na veia. Você podia dar qualquer pauta que ele trazia a foto, especialmente de confusão. Uma vez ele foi fazer a pauta da maré alta no Ver-o-Peso e voltou para a redação todo molhado porque tinha entrado na água para fazer a foto. Esse era o Ary Souza. Ele se molhava e se sujava para fazer a foto”, lembra Tarso Sarraf, coordenador de audiovisual do grupo Liberal. “O nome do Ary não é grande só no Pará, mas fora. Poucos têm esse privilégio”.
“Não basta apenas dominar uma câmera para ser fotojornalista, tem que ter noção de pauta, de notícia e informação. O Ary tinha isso, além de ser corajoso e impetuoso, pois se arriscava, ousava e partia pra cima. Ele chegava em lugares que outros não chegavam”, afirma o Octávio Cardoso, editor de fotografia do jornal Diário do Pará.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjor), Vito Gemaque, que também foi colega de redação de Ary, aponta a excelência profissional e o grande ser humano que ele foi. “Você podia dar uma pauta social para ele, que, geralmente, são as mais difíceis, e ele sempre trazia boas imagens, tanto que foi premiado por causa disso. Todo jornalista que quiser conhecer um pouco da Amazônia tem que conhecer um pouco do trabalho do Ary Souza”.
Prêmio de Fotojornalismo
Nesta primeira edição, o prêmio de fotojornalismo Ary Souza terá caráter interno apenas. As fotos concorrentes serão submetidas à votação dos profissionais da redação integrada de O Liberal, à votação do público na internet e também do júri técnico formado pelos fotojornalistas convidados: Alexandre Cassiano do jornal O Globo, do Rio de Janeiro; Bruno Kelly colaborador da agência internacional Reuters, de Manaus; e Pedro Vilela, colaborador da agência internacional Getty Imagem, de Belo Horizonte.
Em caso de empate, o voto de minerva será dado pela diretoria de O Liberal junto com a Fundação Romulo Maiorana. Os três primeiros que obtiverem maior votação serão premiados em período de inscrições está previsto ocorrer de 1º a 31 de maio. E o resultado está previsto para o próximo mês de julho. Os três primeiros colocados receberão prêmios em dinheiro.
Prêmios que recebeu
Certa vez, Ary Souza registrou nas ruas uma criança de cerca de dois anos, em condições de rua, que estava sozinha cuidando de um bebê deitado em um pedaço de papelão. Na imagem chocante, a criança vestindo apenas uma calcinha aparece de costas cobrindo o bebê. Essa fotografia venceu o prêmio da União Católica Internacional (UCIP), com sede em Genebra.
Com o dinheiro do prêmio, ele comprou o bugre vermelho, de segunda mãe, em 1987, que o tornou também um personagem da cidade de Belém. Por muitos anos, ele circulou com o veículo, inclusive, em condições precárias, sempre com os longos cabelos brancos esvoaçantes.
Ary Souza também foi premiado no Salão Arte Pará, no qual chegou a ser um dos artistas homenageados em uma das edições, além de ter participado da Bienal de Fotografia de São Paulo, em 1995.
“Acho que ele veio (ao mundo) numa missão (fotojornalismo)”, avalia Bernadete. O câncer de fígado somado a cirrose puseram freio à brilhante trajetória do fotojornalista. Mas as imagens deixadas por ele revivem o olhar minucioso, ágil e emocionado de quem continua e continuará ainda, por muito tempo, contagiando e inspirando novos fotógrafos.
Edição: Alek Brandão
Fonte: O Liberal (texto e imagens).
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