Projeto de Lei quer transformar lundum em patrimônio cultural imaterial do Pará

 Proposta apresentada pela deputada Diana Belo é criticado por mestres, produtores culturais e pesquisadores

Thiago Gomes / O Liberal

Uma das heranças culturais dos negros no Brasil resiste até hoje como uma dança sensual e “proibida” – o lundu, ou lundum. O ritmo caracterizado por batidas lentas – também conhecido como o lundu marajoara – pode se tornar patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado do Pará, se for aprovado o Projeto de Lei (PL) nº 239/2020, de autoria da deputada Diana Belo (DC), na Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa). Entretanto, o projeto recebe críticas à forma como foi conduzido e da falta de aprofundamento no incentivo para os grupos, artistas e produtores culturais.

A deputada Diana Belo, que já foi prefeita de Capitão Poço e está no primeiro mandato na Alepa, se pronunciou por meio de nota. Segundo ela, o objetivo do projeto de lei “é garantir mais visibilidade a esse ritmo musical marajoara de origem africana repleta de sensualidade e muito humor”. Caso a iniciativa se transforme em lei será assegurado definitivamente "o Lundu no calendário da cultura paraense. Considerado o primeiro gênero musical afro-brasileiro e preservado por grupos marajoaras, a dança pode ser expandida por todo o Estado”.

A iniciativa do PL recebe crítica de pesquisadores, produtores culturais e mestres do lundum. Entre as principais críticas ao projeto estão a falta de profundidade ao considerar o lundu como um ritmo paraense e não somente Marajoara, ausência de discussão com as comunidades e mestres do lundu, e ausência de qualquer apontamento para a criação de uma política pública de incentivo.

“É importante destacar que o reconhecimento como patrimônio imaterial é importante, mas isso também requer vir acompanhado de ações que garantam esse fomento, salvaguarda e difusão. Assim são necessárias as implementações de políticas públicas que permitam a preservação e garantir também uma atuação do Estado junto a esses grupos sociais”, enfatiza a coordenadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros (NEAB) do Instituto Federal do Pará (IFPA), a musicóloga Laurenir Peniche, que estudou a música afro-brasileira.

De acordo com a professora, o lundu é uma das principais expressões, enquanto canto e dança, que mais contribuem para imprimir a presença do negro no Pará e na Amazônia. Os batuques, como eram conhecidos as rodas de dança de carimbó e lundu, foram duramente reprimidos pelas forças policiais ao longo da história por serem ritmos mais ligados à cultura africana.

Na justificativa para considerar o lundu marajoara como patrimônio cultural imaterial do Pará, Diana Belo fala um pouco sobre esse histórico de origem africana adaptado à região do Marajó e pontua algumas características da dança e das indumentárias utilizadas. Porém, os produtores culturais querem maior profundidade no PL.

A dançarina e performer Samily Maré Cheia, de 29 anos, acredita que se for aprovado da forma como está atualmente, o projeto “queima a largada”. “A importância do tombamento do carimbó é que foram 10 anos de maturação para que ele fosse minimamente abrangente aos agentes interessados e às comunidades carimbozeiras, para melhor avançar no processo de patrimonização. Não é a realidade desse projeto do lundu que usa inclusive termos racistas, quando fala em ‘escravos negros africanos’, em se tratando de uma prática que tem origem negra africana”, critica.

O compositor de carimbó e lundu, fundador do grupo Tamaruteua, Luizan Pinheiro, de 55 anos, enfatiza que é preciso avançar muito ao se discutir o tombamento das expressões artísticas culturais populares. Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), ele considera que mais do que “tombar” o lundu é preciso incentivo para os grupos e mestres. Deveria-se começar por um mapeamento do lundum em todo o Estado do Pará.

“O projeto não cita as comunidades onde tem lundu. Faz referência ao grupo Cruzeirinho de Souré, como sendo patrimônio estadual, mas o lundum está em várias regiões do Estado. Aí é que está o equívoco, não se pode partir da cabeça de uma só pessoa, deveria haver documentos assinados pelas comunidades, conversar com as pessoas de Souré, no Marajó, de Marapanim, de Bragança, tem um monte de municípios em que tem carimbó e lundu”, reclama.

A reportagem entrou em contato com a deputada Diana Belo para responder às críticas feitas ao projeto pelos estudiosos e produtores culturais. A assessoria da parlamentar respondeu às perguntas por meio de uma nota. “O Projeto de Lei vai de encontro ao que é praticado pelo Grupo de Tradições Marajoara Cruzeirinho no município de Soure. Desta forma, estamos tratando e buscando reconhecimento e valorização do Lundu praticado na região do Marajó, preservando a dança, os costumes, o jeito, os gestos, os traços e os movimentos, assim como sua musicalidade regional”.




Edição: Alek Brandão
Fonte: O Liberal (texto e imagem).

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