Fotógrafos mostraram um mundo em crise através de suas lentes em 2020
O ano de 2020 será lembrado como um dos mais difíceis que a humanidade já enfrentou, pois um vírus se espalhou pelo mundo inteiro e mudou completamente o modo como interagimos uns com os outros, atrapalhando planos e interrompendo sonhos. Todas essas adversidades vividas neste ano se refletiram também na produção artística, pois foi praticamente impossível para aqueles que fazem arte não usarem as ferramentas de seu trabalho para falar sobre o momento que o planeta ainda enfrenta.
Uma das áreas que mais retratou o caos que o mundo ainda atravessa foi a fotografia, não apenas no fazer jornalístico diário, mas também, com um viés mais artístico, apresentando uma visão mais emotiva para o tema, juntando a técnica fotográfica com a percepção do fotógrafo na produção de imagens que falam sem palavras.
Fábio Costa, fotógrafo do Grupo Liberal, nem pensa muito antes de dizer o dia mais complicado em sua cobertura jornalística em 2020: 30 de abril. “Isso aqui foi no dia seguinte ao dia quando derrubaram a grade do Abelardo [Santos, hospital em Icoaraci]. Eu acho que esse homem é pastor: ele veio e começou a fazer uma oração ali na frente, no meio da confusão”, conta o fotojornalista, dizendo que aquele dia ficou marcado em sua carreira.
“Eu fazia as fotos das pessoas na frente do hospital e, atrás, saiam os caixões: era a entrada por aqui e a saída logo ali, com gente morrendo, no pico das mortes. Esse foi o dia mais tenso na cobertura da pandemia. Passei a manhã inteira lá e foi muito pesado, difícil ver aquele monte de gente. Minha ideia, com minhas fotos, era mostrar como o povo tava desesperado por atendimento e não tinha mais como ser atendido”, explicou.
Outro jornalista das imagens que sempre esteve na linha de frente foi Igor Mota, que também tinha o dever de, diariamente, ir para as portas dos hospitais para mostrar cenários de tristeza e, às vezes, alívio. “É uma situação muito forte pra nós. Tu tem que fazer o clique pra mostrar a realidade, mas tu pensa: ‘E se fosse eu ali? Alguém da minha família?’”, conta Igor, que diz que tentou encontrar uma forma de apresentar a pandemia por outra perspectiva.
”Eu tenho vários tipos de cobertura nesse período, e eu também tive tempo de produzir coisas mais reflexivas, como esse homem deitado na Almirante Barroso, lendo uma Bíblia. Diante de todo esse caos, a cidade vazia no meio do lockdown, e ele lendo a Palavra. Eu entrevistei ele, mas ele não quis se identificar, e me disse ‘não adianta a gente se apavorar’. Isso me chamou muito a atenção, porque o povo tava desesperado, muita gente morrendo, mas foi uma situação que pude fazer a composição de uma foto, mostrar algo diferente”, diz o fotógrafo, que sendo um profissional de atividade essencial, parou de trabalhar apenas quando foi infectado pelo novo coronavírus, mas voltou algumas semanas após sua recuperação, para voltar a retratar os dramas do cotidiano por meio de suas lentes. Mesmo lidando com o sofrimento causado pela doença diariamente, Igor diz que o tema ainda mexe muito com ele. “Quando a gente começou a ver pessoas conhecidas nossas indo embora, foi o mais difícil, gente que a gente conhece. Fui cobrir o enterro de um conhecido meu, policial, que morreu de covid e foi complicado”, disse.
Enquanto vários profissionais puderam desenvolver suas atividades de casa, com um aumento crescente do home office, os fotógrafos estavam nas ruas, já que por meio dos olhos deles as pessoas estavam acompanhando a rotina de um mundo em meio a uma pandemia como nunca vista. Thiago Gomes conta que esse ano foi de muita produção de imagens, e que ele, como fotojornalista, tentou mostrar os impactos do coronavírus nas mais diversas atividades do cotidiano de Belém e região. Com a máscara e a câmera coladas no rosto, ele esteve nas porta de UPAs, pronto-socorros e hospitais de referência, mas uma das pautas que mais o marcou foi quando ele visitou cemitérios para falar com coveiros e demais profissionais sobre o aumento do número de enterros.
“A gente foi fazer cobertura de covid em um cemitério no Tapanã. Eu falei com os caras e eles me relataram que fizeram, em um dia, o total de 48 enterros. Indo da manhã até a noite. Um fez 13 enterros em só uma manhã, e ainda disse que, naquele dia, tava ‘light’”, conta o fotógrafo. Thiago também disse que presenciou situações em que foi hostilizado por pessoas em feiras, que culpavam o trabalho jornalístico por mostrar a realidade sobre o caos causado pela pandemia. Todas essas situações, aliadas ao receio de se infectar ao ver tanta gente morrendo, tornaram o trabalho desafiador. “A gente até ficava com medo, mas tinha que ir pra rua, pra mostrar o que tava acontecendo”, conta o repórter fotográfico.
O ano de 2020 chega ao seu fim, mas o coronavírus segue circulando e fazendo vítimas, dando sinais de que ainda vai ficar por algum tempo presente na vida das pessoas. Enquanto a doença não é totalmente vencida, os fotógrafos seguem nas ruas, se colocando na frente de tudo isso para mostrar ao público suas imagens, com toda a importância que o assunto merece.
Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)
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