Margaret Atwood dá sequência ao seu best-seller profético com 'Os Testamentos'
Continuação de 'O Conto da
Aia', livro que virou série de TV, chega ao Brasil
Margaret Atwood estava quieta no seu canto, escrevendo - como
sempre fez desde os anos 1950 -, publicando um livro a cada dois ou três anos e
esperando, talvez, o seu Nobel quando o mundo começou a mudar e a se aproximar
do que ela um dia imaginou como um futuro distópico. Para começar: Donald Trump
virou presidente dos Estados Unidos.
E,
no dia seguinte à sua posse, em janeiro de 2017, na Marcha das Mulheres, o nome
da escritora canadense apareceu em alguns cartazes. "Make Margaret Atwood
fiction again" era um deles, e brincava com o slogan da campanha de Trump
(Make America Great Again). O outro dizia que "O Conto da Aia" não
era um manual de instrução.
"O
Conto da Aia" é o livro mais famoso de Atwood. Escrito em Berlim em 1984 e
publicado em 1985, ele retrata uma nova sociedade tirânica e puritana, Gilead,
onde as liberdades são anuladas, as mulheres férteis viram servas, a vigilância
é feroz e a punição, cruel. O livro voltou ao debate e às listas de mais
vendidos - ao lado de "1984", de George Orwell. E, três meses depois
da Marcha das Mulheres, estreava, na Hulu, a adaptação para a TV: a
superpremiada "The Handmaid's Tale”.
Margaret
não assistiu a isso tudo de casa. Foi para a rua, ajudou na série, ganhou o
Prêmio da Paz na Feira do Livro de Frankfurt, foi condecorada com a Ordem de
Companheiros de Honra pela Rainha Elizabeth e, confrontada, sim, pelos seus
novos e velhos fãs, mas, principalmente, pela realidade, como ela disse em uma
entrevista recente, escreveu a continuação de "O Conto da Aia".
"Os Testamentos"
foi lançado em inglês em setembro, já dividiu o prestigioso Booker Prize com
"Girl, Woman, Other", de Bernardino Evaristo, e chega agora às
livrarias brasileiras pela Rocco.
"Os Testamentos é
verdadeiramente um livro deste tempo. Margaret sempre foi muito atenta ao que
estava acontecendo no mundo e isso vai parar em sua obra. E escrever esse
livro, projetar a história e alguns dos personagens 15 anos depois dos
acontecimentos de O Conto da Aia foi uma coisa muito notável de se fazer,
incrível e convincente", diz a inglesa Liz Calder.
Liz editou a obra de
Atwood por muitos anos, desde que ela era uma poeta reconhecida no Canadá e
desconhecida no resto do mundo até se desligar de sua famosa Bloomsbury em
2010. Idealizadora da Festa Literária Internacional de Paraty, trouxe a autora
para a Flip em 2004. E fez parte do júri do último Booker. Da relação
profissional nasceu uma amizade recheada de histórias - uma delas envolve até
Juju, o papagaio que Liz levou do Brasil em 1968, depois de uma temporada de
quatro anos no País.
Margaret e o marido Graeme
Gibson, que morreu em setembro, pouco antes de Atwood ganhar seu prêmio mais
recente, se hospedaram uma vez na casa de Liz, que precisou viajar e deixou o
casal responsável pela casa e por Juju. Amantes de pássaros - depois da Flip,
até tentaram ir ao Pantanal, mas o avião deu meia volta por causa do mau tempo
-, eles cobriram a gaiola do papagaio com uma toalha antes de dormir. Ao
acordarem, aquele constrangimento de hóspede que fez algo errado: Juju tinha
feito picadinho da toalha e Margaret saiu por Londres atrás de outra para repor.
A escritora Simone Campos,
tradutora de "Os Testamentos", também destaca o humor como um traço.
"A Atwood tem um humor peculiar em que a sintaxe importa muito. Adora um
trocadilho - trocadilhos cheios de nuances - e um provérbio."
Para a tradutora, Atwood
se superou agora. "Além de criar um livro com três narradoras muito
diferentes entre si, tem muita ação." Simone apresenta as narradoras:
"Agnes cresceu em Gilead, é ingênua, polida, não fala palavrões, mas adota
latinismos na sua narrativa (fruto de sua educação clássica e tardia); Tia
Lydia é cheia de provérbios e referências cultas da época pré-Gilead, e também
domina aquela retórica escorregadia totalitária, de sugerir sem dizer. Já a
adolescente Daisy, que cresceu no Canadá livre, é espevitada e impulsiva, e
fala numa estranha mistura de politicamente correto e incorreto, com palavrões,
gírias".
Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)
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