Elizeth Cardoso recebe várias homenagens no ano do seu centenário
Entre as ações está prevista uma exposição e até liberação de uma
gravação inédita
"Fico admirada quando ouço alguém dizer que já
está realizado na vida. Vou morrer sem realizar muita coisa que pretendo",
afirmou certa vez Elizeth Cardoso. Mas o que ela construiu é sólido o bastante
para marcar o nome da intérprete como referência de bom gosto. Incentivadora de
jovens - foi a primeira a gravar uma música de Jards Macalé, por exemplo -,
Elizeth participou do nascimento da bossa nova, esteve atenta aos compositores
de morro e foi porta-voz da canção brasileira em shows no Japão.
Diversas
iniciativas estão previstas para celebrar os 100 anos de nascimento de Elizeth,
em 16 de julho. Shows, exposição, reedições de discos históricos, lançamento de
gravação inédita e marca de cerveja já à venda devem relembrar a trajetória da
cantora em 2020.
Neto
de Elizeth, Paulo Cesar Valdez Junior é o responsável legal pela obra dela.
Inspirado na ideia da cerveja que homenageia o humorista e músico Mussum, ele
criou a cervejaria Água de Bamba, que distribui o rótulo Divina. A cantora
ganhou o epíteto do amigo e pesquisador Haroldo Costa.
A
bebida já é comercializada em alguns pontos do Rio. "A cerveja pode
aproximá-la de um público que ainda não a conhece", afirma Valdez, que
conseguiu autorização para utilizar o sucesso Eu Bebo Sim na publicidade da
cerveja. Ele conta que a gravadora Universal, detentora da maior parte do
acervo de Elizeth, está aos poucos inserindo discos dela nas plataformas
digitais. Valdez também planeja obter da TV Globo os videoclipes que a cantora
fez para a emissora e colocá-los na internet.
Ele
ainda articula uma exposição com o acervo deixado pela avó. O Flamengo o
procurou para abrigar uma mostra sobre a cantora, que torcia para o time, na
sede do clube carioca. Uma reunião com o neto e representantes da Universal, do
Museu da Imagem e do Som e do Instituto Moreira Salles está prevista para
chegar a um recorte curatorial. "Ela deixou muita coisa para o MIS e eu
doei mais de duas mil fotos do arquivo dela para o IMS", conta Valdez, que
pretende trazer a exposição para São Paulo.
Uma
gravação inédita em poder de Valdez também pode vir à luz. Um dos momentos
marcantes da carreira da cantora foi a interpretação de Bachianas Brasileiras
nº. 5, de Heitor Villa-Lobos, em concertos regidos pelo maestro Diogo Pacheco
nos teatros municipais de Rio e São Paulo. No arquivo de Elizeth, ficaram
áudios dos ensaios, que Valdez tem interesse em lançar.
Reconhecida
pela técnica vocal, a cantora Mônica Salmaso também programou uma homenagem a
Elizeth. Nos dias 19 e 20 de março, ela faz o show Senhora das Canções na Casa
do Choro, no Rio. "Elizeth tinha segurança e equilíbrio técnico da voz.
Ouvi-la equivale a estudar canto", afirma a cantora. Luciana Rabello
(cavaquinho) e Mauricio Carrilho (violão de 7 cordas), que a acompanham na
apresentação, trabalharam com Elizeth.
O
repertório escolhido para Senhora das Canções contempla clássicos e abre espaço
para canções menos conhecidas. É o caso de A Mentira Acaba, composta por Rui de
Almeida e Arnô Provenzano, uma das primeiras que Elizeth gravou, em um disco de
78 rotações lançado em 1950. Mônica diz que não descarta transformar o show,
que pode ser apresentado em São Paulo, em disco.
Legado
Elizeth
nasceu no Rio, perto do Morro da Mangueira. Na adolescência, foi funcionária de
uma fábrica de sapólio e cabeleireira. Jacob do Bandolim a ouviu cantar e a
encaminhou para um teste na Rádio Guanabara, onde se apresentou pela primeira
vez em 1936. Trabalhou em outras emissoras e foi crooner de orquestra. O
sucesso chegou somente em 1950, ao gravar Canção de Amor, samba-canção de
Chocolate e Elano de Paula.
Em
Canção do Amor Demais (1958), Elizeth gravou músicas de Tom Jobim e Vinicius de
Moraes. Apesar da pouca repercussão quando lançado, o álbum entrou para a
posteridade como o disco que inaugurou a bossa nova, com João Gilberto tocando
violão em Chega de Saudade e Outra Vez.
É
Luxo Só (Ary Barroso e Luis Peixoto), Barracão (Luis Antônio e Oldemar
Magalhães) e Nossos Momentos (Luis Reis e Haroldo Barbosa) são algumas das
músicas que marcaram a carreira de Elizeth.
Nos
anos 1960, ela já estava estabelecida como grande intérprete "Conviver com
ela era um imenso prazer. Devo a ela minha carreira como produtor de discos e
compositor", afirma Hermínio Bello de Carvalho, que produziu diversos
discos da cantora. Ele pretende relançar alguns destes trabalhos, incluindo
Elizeth Sobe o Morro (1965), com músicas de Paulinho da Viola, Nelson
Cavaquinho e do próprio Hermínio.
Também
amigo de Elizeth, o pesquisador e jornalista Ricardo Cravo Albin afirma que a
cantora nunca conseguiu a popularidade que merecia. "É algo que sempre me
chamou atenção. A importância de Elizeth é muito maior do que a gente pode
imaginar", reflete Albin, que esteve perto da cantora até a morte dela, em
7 de maio de 1990, devido a um câncer de estômago.
Zuza
Homem de Mello é outro especialista em música que conviveu com Elizeth. O
jornalista e musicólogo foi técnico de som do Bossaudade, programa que a
cantora apresentava na TV Record. "É a única cantora que compete com Elis
Regina. Pode-se considerar Elizeth a melhor cantora brasileira de todos os
tempos".
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