A intimidade de empresários com o nazismo é retratada em 'A Ordem do Dia'
Livro do escritor francês Éric Vuillar ganha edição em português
O escritor francês Éric Vuillard acredita que a 2ª
Guerra Mundial será ainda, durante anos, uma fonte de investigação sobre a
natureza humana. "Junto com o Holocausto, que é uma das suas
consequências, o conflito é o evento central do século passado e servirá, por
muito tempo, para explicar as reações dos homens, desde suas relações
diplomáticas até traições, hipocrisia", afirma ele que, partindo desse
raciocínio, escreveu A Ordem do Dia, que ganha agora versão nacional pela
Tusquets, selo da editora Planeta.
Para reforçar seu argumento, o livro ganhou o Goncourt de 2017, o
mais importante prêmio literário francês e também um dos mais destacados do
mundo. Trata-se de uma obra pequena no formato, apenas 144 páginas, mas de
grande fôlego. Ali, Vuillard se concentra nos bastidores de dois momentos
fundamentais pré-guerra: o apoio dado pelos maiores industriais da Alemanha da
época - como Siemens, Shell, Allianz, BMW e Bayer - a Hitler, em 1933, e a
anexação da Áustria ao Reich, em 1938, antecipando a invasão da Polônia, no ano
seguinte, o que é considerado historicamente como o fato que detonou a guerra.
"A Ordem do Dia começa com uma reunião secreta de vital
importância", conta Vuillard ao jornal O Estado de S. Paulo, em entrevista
realizada por e-mail. "Essa reunião ocorreu realmente, em 20 de fevereiro
de 1933, quando os nazistas chegavam ao poder. Vinte e quatro dos maiores
industriais da Alemanha reuniram-se então com Hermann Goering (comandante da
força aérea alemã) e Adolf Hitler. Mas não foi uma reunião de confronto, como
se poderia esperar - ao contrário, foi tranquila e cordial. Discutiu-se o
financiamento da próxima campanha eleitoral, que por sinal seria a última, pois
permitiu a Hitler destruir a república de Weimar."
O argumento do Führer era de que o país clamava por estabilidade
econômica e de que o socialismo nacional seria vantajoso para os negócios de
todos. O autor mostra que, em troca das contribuições, as grandes corporações
lucraram com o trabalho escravo judeu. A generosa oferta também fortaleceu
planos mais ambiciosos, como o de anexar a Áustria (país de nascimento de
Hitler), em maio de 1938, criando assim o Terceiro Reich.
Com uma escrita sem maneirismo, Éric Vuillard relata ainda a
insistência de outras potências europeias, notadamente a França e a Inglaterra,
em tentar conter o avanço alemão, permitindo que a Europa fizesse um voo cego
em direção ao abismo. "Às vezes, as maiores catástrofes anunciam sua
chegada em pequenos passos", escreve.
Para Vuillard, pesquisar a história sempre garante uma nova
descoberta para problemas atuais, ao analisarmos os fatos passados com a visão
contemporânea. “Na realidade, não é o passado que nos ilumina, é o presente que
renova nossa visão da História. São os eventos contemporâneos que nos obrigam a
rever a ideia que fazíamos de tal e tal período, de tal e tal problema. É esse
passado revisto em função da urgência e verdade do presente que nos ensina
algo".
Post a Comment