Com Versando sobre o Cotidiano
TODOS OS MENINOS
Um
dia, quando eu era criança, sem que ninguém soubesse, tomei uma decisão. Colhi cheiro verde na horta de minha mãe e
organizei pequenos maços que dispus com cuidado em uma cesta e fui para a rua
vender. Timidamente eu oferecia para as pessoas que passavam. Consegui alguns
trocados que, orgulhosa, entreguei aos meus pais. Na minha cabeça e no meu
coração, aquele ato poderia ajudar a colocar alimento na nossa mesa. Meu pai,
com toda a sabedoria de quem sabia escrever seu nome e dominava as operações
básicas da matemática pois sabia, como poucos, multiplicar o amor, dividir o
pão, somar a esperança e diminuir a dor, naquele dia, fez-me entender o valor
do estudo. Aquela foi minha única venda e a cesta nunca mais recebeu maços de
cheiro verde... em seu lugar, lápis, borracha e papel de pão para os rabiscos
cotidianos. O caderno era tão especial que com ele me tornei doutora.
Certa
noite, saindo do trabalho.
- Quer comprar pipoca
moça?
Tamanho
de 5, disse-me já ter 8 anos enquanto equilibrava uma caixa de isopor que mal
cabia em seus braços. Olhos assustados
contrastavam com o ar de corajoso. Peito estufado como um pássaro quando se põe
a cantar, disse solene:
- Custa só 1 Real....
Respondi
com um sorriso e abri a caixa. No fundo dela avistei 5 minguados pacotes de
pipoca, ainda quentes, amarrados com uma fita colorida em um laço feito com
esmero, certamente por mãos adultas. Laço que poderia adornar a caixa de uma
fina joia, adornava um pacote tímido de pipocas. Brancas e leves, como se
fossem pedacinhos de nuvens daquelas que avistamos no céu nas tardes mornas da
vida, quando os ventos brincam de as amontoar em formas mil e nos pegamos,
novamente como crianças, a descobrir formas nas nuvens dos céus.
Contou-me
onde mora e disse-me como orgulho saber até o número da casa. Cotou-me ainda que
vive com a avó. É ela quem faz as
pipocas.
Poderia
chamá-lo de João, Pedro, Marcos, Antônio, Canarinho, Sabiá ou Curió. O nome não
importa. É apenas mais um no meio da multidão. Todos com histórias tão iguais
que até se confundem. A diferença talvez esteja apenas no que vendem...
pipocas, amendoins, balas, castanhas. Já os destinos? Ah! Os destinos são
sempre tão iguais.
Quando
lhe alcancei o dinheiro, seus olhos brilharam e seu coraçãozinho parecia pular
no peito....
-
Viva!!! Já posso ir pra casa!?.... obrigado moça.... E saiu saltitando com a
caixa grande e vazia nas mãos e as sandálias rotas nos pés. Carregava a caixa
como se fosse seu mundo: grande e vazio.
Voltei
para casa pensativa, carregando 5 pacotes de pipoca. Alguns eu distribuí pelo
caminho, como se pudesse repartir os meus pensamentos.
Por
longas horas o rosto daquele menino me acompanhou parecendo querer tirar-me
alguma coisa. O quem sabe devolver? Até que, finalmente, encontrei-me no fundo
daquele olhar e de lá tirei o fio que me faltava para costurar essa história.
É
quase Natal....
Renovamos
esperanças e acendemos sorrisos. Perdoamos os que nos ofenderam ao logo do ano
e partilhamos alegrias. O sentimento que
nos move e, ao mesmo tempo nos irmana, é a Esperança que se renova a cada ciclo
que se inicia.
A
cada etapa da vida vamos nos renovando como seres em constante transformação. O
calendário da vida nos proporciona a oportunidade de revermos nossa caminhada e
ajustarmos as rotas quando necessário.
Uma
boa forma de mantermos a esperança é olhar para dentro de nós mesmos com os
olhos do coração e, libertos da miopia afetiva que muitas vezes embaça a nossa
visão do mundo e de nós mesmos, percebermos como e em que podemos mudar.
Sempre
haverá algo a mudar, a aperfeiçoar. Algo que não fazíamos e que podemos começar
a fazer agora, por nós mesmos, por nossas famílias, por nossos amigos, por
nossa cidade, por nossas crianças, por nosso planeta que é a nossa casa comum.
São pequenos gestos que podem ser expressos em uma palavra de afeto e de
incentivo, um elogio, um olhar mais cuidadoso com quem está perto, um sorriso,
uma gentileza às pessoas que cruzam os nossos caminhos mesmo quando não as
conhecemos.
Sim...
É quase Natal.
Lembrando
da Esperança, do Menino da Manjedoura, do Menino das Pipocas, da Menina do
Cheiro Verde e de tantos outros sem nome, sem rosto, tristes e solitários
vagando pelas ruas, vou fazer um pedido especial ao Papai Noel: que proteja a
todos e que também traga um lápis e um caderno especial que liberte esses
pássaros de suas “gaiolas” pois como disse Mario Quintana “nem todo o canto é
de alegria, mas todo o voo é de liberdade”.
A autora é
Psicóloga, Jornalista, Mestre em Administração e Doutora em Comunicação.
Professora da Universidade Federal Rural da Amazônia – Campus Capanema.
Texto Publicado na Ed 547 do Jornal de Capanema
Post a Comment