Um pequeno alento para este coração docente


Cronica da semana - Por Abílio Pacheco 

Eu já estava decidido a não publicar uma crônica este ano por conta do dia dos professores. Além de bastante ocupado com minhas atividades de reta final de doutorado, há também uma enorme desilusão, tristeza, chateação… nem sei como nomear. Sei é que os professores da rede pública da cidade onde moro (Marabá) não recebem um salário que nem de longe se aproxima do que eles merecem e que, além disso, estão com os minguados salários atrasados. Sei que o governo federal temporário, provisório, governo-tapume, governo calço de mesa em falso, está cada vez mais procurando acertar os bolsos dos mais pobres, dos funcionários públicos em geral e afetando de modo devastador a educação. Professores que há muito já tiram do bolso valores para cobrir deficiências de infraestrutura, déficit em biblioteca e materiais de expediente etc logo logo verão que além de não aumentar o salário ainda terão que aumentar sua contribuição involuntária para a causa pública. E eu fico me lembrando cadê aquele monte de engomadinhos na televisão se dizendo amigos da escola? Como e quando foi que eles desapareceram?
*  *  *
Mas o que eu queria mesmo na crônica deste ano era compartilhar com vocês uma experiência que vivi em Berlin ano passado. Não quero comparar, depreciar o Brasil ou jogar confetes na Alemanha. Nada disso. Quero apenas compartilhar uma experiência relacionada a atividade docente ou mais especificamente às reivindicações por melhorias.
Em Berlin (onde toda criança – mesmo as estrangeiras – tem direito a uma bolsa de cerca de 120 euros, independentemente do valor que ganhe os pais), existe um tipo de escola para as crianças ficarem o dia todo (Kindertagesstätte ou simplesmente Kita). Assim o pai e mãe podem trabalhar ou estudar enquanto a criança fica aos cuidados do poder público. Sim, na Alemanha, entende-se que esta obrigação é do poder público. Dizem que há uns cinco anos por conta de uma greve demorada nas kitas, as mães levaram as crianças deixaram no prédio da prefeitura o dia inteiro. Imaginem a diversão e a festa! Todas crianças pequenas, pois na kita as crianças ficam geralmente apenas até completar 6 anos.
Ah sim. Na Alemanha tem greve? Por que não? Não é exatamente nenhum paraíso. Saiba você que 80% dos empregados domésticos trabalham de forma ilegal na Alemanha, conforme o jornal alemão Deutsch Welle (e pode clicar no link que a reportagem está em português). Mas tem uma coisa curiosa sobre as greves em Berlin. Se a greve for de transporte público, desde de o dia anterior você já sabe quais transportes vão funcionar e quais não vão funcionar. Assim você já saberá qual rota você vai usar para chegar ao trabalho no dia seguinte. Se a greve for em alguma repartição pública, desde a quinta-feira você já saberá que na segunda não irá funcionar.
Voltando ao nosso tema: escolas e kitas fazem exatamente isto. Avisam antes.
Mas eu vivenciei uma coisa espetacular em Berlin em relação à greve de professores. Como os pais souberam que as professoras iriam entrar em greve, pegaram a pauta de reivindicações e foram eles mesmos, pais e mães de alunos, fazer manifestações nas ruas para que a prefeitura negociasse com os professores para que esses não entrassem em greve. As manifestações ocorreram nos pontos estratégicos da cidade onde normalmente costuma ocorrer tudo quanto é de protesto: o portal de Brandemburgo e Tempelhof (um aeroporto desativado que é usado como área de lazer). Além desses lugares as manifestações dos pais também ocorreram na frente da escola (kita) e na frente da Prefeitura.
Depois de várias semanas, de alguma forma, mesmo que parcialmente, a prefeitura negociou e o sindicato retirou a indicação de greve. Por fim, não houve greve. Nem mesmo uma paralização de um diazinho sequer. Preciso lembrar que as reivindicações ocorriam na hora do almoço e nos fins de semana. Ninguém deixava de trabalhar para fazer protesto. Nos fins de semana ainda havia um ingrediente a mais: as crianças sabiam o que os pais estavam fazendo, sabiam os motivos dos protestos. Sim, elas participavam. Meu olhar docente me diz que isso também era um aprendizado. A fim de que os professores tivessem melhores salários, as crianças também estavam nos protestos pintando cartazes, escrevendo frases e enchendo balões.
Essa lembrança para mim é um pequeno alento neste nada comemorável dia dos professores.
Partilha feita!






Cornica produzida, no dia 14 de outubro de 2016 em Marabá/PA.      Texto: Abilio Pacheco (foto) – Professor universitário de literatura

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