Maria Bethânia abre nova turnê: 'Claros Breus'


Maria Bethânia é definitivamente a artista dos palcos. É ali seu lugar sagrado, que ela domina como poucos. E é para onde Bethânia retorna com a turnê "Claros Breus", que passa por diversas cidades brasileiras e chega, também, a Portugal. Neste novo trabalho, a direção é de Bia Lessa, que acabou ocupando o papel de diretora cênica dos espetáculos de Bethânia após a morte do diretor Fauzi Arap, de quem a cantora era aluna.
Em "Claros Breus", Bia trabalha essa dualidade de luzes e sombras enquanto Bethânia traça uma narrativa com clássicos de sua obra, como "Olhos nos Olhos" (Chico Buarque) e "Tocando em Frente" (Almir Satter/Renato Teixeira); músicas inéditas na sua voz, como "Pernas" (Sérgio Ricardo), e outras totalmente inéditas, como "A Flor Encarnada" (Adriana Calcanhotto).
O início da entrevista com a artista teve como tema o diretor musical e arranjador do show, o maestro baiano Letieres Leite, com quem ela trabalha pela primeira vez. "Ele sabe tanto o que quer quanto eu. Então, foi uma prova de matemática das boas que fizemos", diverte-se ela.
Letieres deixa sua assinatura também no disco de Bethânia dedicado à Mangueira, que será lançado este ano. Está no radar da cantora um outro álbum, só com canções inéditas, incluindo as do novo show. Fã de Tim Bernardes, um dos bons compositores da nova geração, Bethânia fala do novo show, de Nina Simone e do Brasil.
Você fez a pré-estreia de Claros Breus, no pequeno Manouche, no Rio, e lembrou ali de sua relação com esses espaços menores no início da carreira. O show continua agora em locais maiores. Não teve vontade de continuar levando essa apresentação para lugares intimistas?
Se fosse possível, eu adoraria fazer em lugares como fiz aqui, com 100, 150 pessoas. Mas não é viável, porque os lugares assim agora não têm essa qualidade que tem o Manouche, e não tem dinheiro que pague produção, banda, cantora, som, técnicos, iluminação, direção.
Pergunto isso porque nos espetáculos no Manouche havia uma cumplicidade entre você e público.
Eu dizia: ‘Enfim, sós’. E acho que posso continuar dizendo, mesmo com 6 mil pessoas. O espetáculo foi feito assim, ele não pode perder essa característica. E o trabalho de Bia (Lessa) para os lugares maiores é carregar o Manouche para lá, aproveitando a possibilidade de ter uma visão melhor da percussão, que é um show à parte. A cenografia do show é a música, é a sonoridade, e um pouco de uma imagem de uma cantora meio noturna, meio de boate, mas, ao mesmo tempo, teatralizada. Pedi para que, em cada cidade, tivesse uma particularidade, porque, como esse show carrega o Rio, de alguma maneira, é natural que eu fale ou cante sobre a cidade. Em cada lugar ter a sua expressão, mas sempre carregando o Rio. E com a sombra do Rio de Janeiro tão belo, tão luminoso na sua natureza. Que é o que temos, é o que resta. Em contrapartida à tragédia carioca existente. Não só carioca, mas acho que a brasileira.
Como foi a escolha das canções inéditas na sua voz?
Eu ouço, me apaixono. Com Sinhá (de Chico Buarque e João Bosco), por exemplo, foi assim desde a primeira vez que ouvi o disco do Chico (de 2011). Fiquei com essa música quase como um tabu: ‘Nunca vou conseguir cantar Sinhá’. Acho que é o disco do Chico que talvez eu mais reverencio nos últimos dez anos. Fui ver o show dele. Ao vivo, não me veio como veio no disco. Achei lindo, bem tocado, bem cantado, mas não me jogou para trás. Nesse momento, falei: o intérprete pode pegar esse fio, e fui por aí. Eu tinha tanto receio que foi a primeira coisa que eu quis fazer O Letieres escreveu para mim, no outro dia fiz o ensaio. Está no show, definitivo. Se não desse certo, tirava, para não machucá-la, nem ela me machucar.
É interessante você falar isso, porque sua relação com a obra de Chico Buarque é tão próxima. Pode acontecer isso?
Pode, com Caetano, são muitas, que ouço, me tira o fôlego, me silencia. Deixa eu ouvir, se vier, vem para mim, mas, por enquanto, não é minha, é maior do que eu. Coisas do ofício.
Fale sobre cantar Evidências, sucesso de Chitãozinho e Xororó
A canção É o Amor (de Zezé Di Camargo e Luciano) que abriu essa vertente. Quando a gravei, foi a pedido de Caetano para o filme (2 Filhos de Francisco) para o qual ele fez a trilha sonora. Falei: ‘Faço, mas do meu jeito’. Fiz com piano clássico. E as pessoas gostam de ouvir desse jeito também, não precisa ser somente a maneira com que fez grande sucesso. Evidências, então, nem se fala. Achei graça que a letra é do Paulo Sérgio Valle, todo mundo pensa que é dos meninos. Já gravei muito o Paulo. Achei graça ele voltar assim ao meu repertório. Eu estava num lugar, tocou (a música), todo mundo cantando.
Pronta Pra Cantar, de Caetano, também está no repertório. Você chegou a fazer uma versão com Nina Simone...
Foi um dueto feito a distância. Ela gravou nos EUA. Meu maestro foi, eu não gosto de viajar e ela não podia sair de lá.
E houve polêmica, ela disse, na época, que você não pagou..?
A história é a seguinte: terminou a gravação, meu maestro me ligou e falou: conseguimos, ela fez! Nina era muito invocada. Perguntei se ela estava no estúdio. ‘Não falo inglês, mas deixa eu falar com ela, agradecer e você traduz’. Aí ela veio no telefone, disse que eu era a Maria Bethânia, que a tinha convidado, e o menino me traduzindo. E ela: ‘Quando recebo meus royalties?’ (risos). Falei que isso não é com a cantora, você tem de ligar para gravadora.
Você falou do Rio, do Brasil. Como você vê hoje o País no novo governo?
(Com voz embargada) Não sei se sei falar, negócio de política não me aproximo muito. Tenho tido algumas tristezas. Esse caso do índio me magoou (sobre a morte do líder indígena waiãpi). Isso me entristece. Acho índio uma raridade no mundo ainda. É muito difícil de se entender, se engolir e conviver com isso, essa morte. Perigoso, perigoso.
E em relação à cultura?
Desprezo generalizadaço, que já vem, já vem, já vem, que só agrava, só agrava, só agrava. Tenho medo do que pode acontecer. Tive irmão exilado, situações difíceis, amigos mortos na ditadura. Começa tanta coisa estranha, você fica assustado, fica preocupado. Eu amo o Brasil, mas um Brasil de dentro, que se autorrespeita, que se autoadmira, e que se vê tão lindo do jeito que é, tão forte, tão majestoso. O sertanejo, a nobreza dele, tratado em prosa, verso, por Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, e que eu só reverencio, e quero aprender aquela sabedoria de não ter nada e ser grato a Deus e ser feliz, tocar sua sanfona e viver, ter seus filhos e criá-los, trabalhar e acreditar, confiar em Deus. Acho tudo isso comovente, e me entristece isso não ser chave principal do Brasil. Sei que política tem outras razões e outros motivos, sei pouco porque não entendo, então é estupidez eu falar, mas sei que tem outros interesses-chave. É o máximo que posso te dizer. Estou triste.

Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)

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