Feira do Livro: DO FUNDO DE GAVETA AO BOMBOLER: A POESIA ALTERNATIVA DE BELÉM



Uma poesia que surge às margens, nos porões, que emerge do fundo das gavetas, e trilha um caminho quase clandestino até chegar às calçadas, às praças, e só muito depois às editoras. Entre os muitos transgressores criativos dos anos 1980, que ousaram em Belém alcançar a liberdade nas asas da poesia, está o “Fundo de Gaveta”, formado por Vasco Cavalcante, Celso Eluan, Jorge Eiró, Yrú Bezerra, Zé Minino e William (Paulo Castro) Silva. A história do grupo chegou ao público da XXI Feira Pan-Amazônica do Livro, realizada no Hangar, na sexta-feira (2), pelo relato de Vasco Cavalcante, que participou do seminário Poesias e Poetas na Contemporaneidade: Criatividades Descolonizadoras, no auditório Eneida de Moraes.
Com o tema “Projeto Sangria aos tempos do Fundo de Gaveta. Alternativas poéticas na efervescência cultural do ano 1980”, Vasco Cavalcante contou momentos importantes da trajetória do grupo, que em 1980 fez circular seus poemas fotocopiados (“xerocados”), com a capa em formato de envelope, na qual o título “Sangria” aparecia sobre um fundo vermelho. No início foram apenas 30 envelopes, mas com um empurrão extra do poeta Max Martins, o trabalho dos poetas alternativos – que adotaram o nome “Fundo de Gaveta” – ganhou volume.
Já exibindo nas capas a criatividade plástica de Jorge Eiró, a poesia do grupo chegou às praças e bares da cidade, com um marketing sugestivo: cada envelope era vendido pelo “preço de uma cerpinha (cerveja)”. Em 2012, o trabalho foi reunido em uma coletânea.
“Vozes do contar” - O trabalho dos chamados “poetas marginais” – que vicejam às margens do sistema e das amarras -, o professor e poeta Paulo Nunes falou sobre as “Vozes do tempo do contar/cantar: Educação pela poesia do grupo Mãos Dadas”. O palestrante, que disse estar “enternecido” com a temática da Feira Pan-Amazônica, que homenageou em 2017 o país A Poesia, baseou seu relato na experiência do grupo lítero-musical “Mãos dadas”, que fez da Escola Estadual Deodoro de Mendonça seu espaço de difusão de uma poética que retrata o sentimento de pertencer a esta terra, “sem ativismos ou nacionalismos”, e depois foi acolhida por plateias na Serenata do Carmo e em outros projetos e espaços culturais da cidade.
A poeta, letrista e educadora Rita Belém trouxe ao seminário, na palestra “Circularidade da Palavra: percepções do fazer poético na contemporaneidade em Belém”, a memória da produção poética dos anos 1990 aos dias atuais, citando o livro Porta Palavras, de sua autoria, e abordando aspectos do processo de circularidade das palavras, enfatizando que a literatura é o “espaço onde todas as vozes se tornam audíveis”. Segundo ela, a estética “parauara” da poesia dá voz aos saberes da terra, à identidade amazônica.
Rita citou ainda o trabalho dos poetas que se reuniram em grupos como o Sociedade dos Poetas Vivos, Malta de Poetas Folhas e Ervas, Café com Verso e Prosa e Café com Pupunha, até chegar ao projeto do Movimento Literário Extremo Norte, que resultou na criação de um Instituto próprio, em novembro de 2009, marcando um período de grande efervescência cultural.
Atualmente, Rita Melém desenvolve o Projeto Bomboler, levando às praças, ao calor do público, o sabor de sua produção poética em um carrinho de bombom.

Texto: Socorro Costa
 Foto: Marcio Ferreira

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