Dilma dá tiro no pé monstrão
Seu jeito é o habitual deslocado e esquisito, que passa por ventriloquismo, falsidade. Subitamente, depois da campanha eleitoral que era só otimismo, agora Dilma “descobriu” que são necessárias medidas econômicas mais duras, pediu confiança e disse que as dificuldades serão repartidas com justiça. Esse sim seria um ótimo discurso de campanha (fora o fato de que garantiria sua derrota).
O problema é que esse discurso genérico vem em um momento em que o psiquismo das massas pressente que pode haver alguma mudança de verdade. Que as pecinhas do poder – executivo, legislativo e judiciário – não estão se encaixando nada bem. Que, com um pouco de sorte, alguns picaretas de plantão podem se derrubar uns aos outros (acontece às vezes, tipo quando ACM e Jader Barbalho se torpedearam), e que o joguinho de nervos entre Dilma, o presidente da câmara Eduardo Cunha e o presidente do senado Renan Calheiros está ficando realmente engraçado.
É evidente que o que está tensionando o cenário é “a lista do Janot”: o roteiro básico para onde vão se voltar as investigações do Petrolão. Dilma, presidente da República reeleita, ex-ministra das Minas e Energia e da Casa Civil, ex-presidente do conselho da Petrobrás, evidentemente está enfiada até o pescoço nessas tramas, mesmo que não tenha culpa alguma.
Não caberia de jeito nenhum o tom olímpico e genérico que adotou no pronunciamento, como se o Brasil não estivesse vindo abaixo. Toda a habilidade que Lula já teve em não deixar colar as tretas em si, Dilma parece ter com a chave virada ao contrário. Conseguiu fazer colar nela mesma o feeling de que é o problema, de que tem a ver com “tudo de ruim que está aí”. Pior, é como se Lula (esse sim um ser olímpico de verdade) tivesse passado por duas presidencias deixando várias contas penduradas – e que agora essas contas todas, de Lula e do PT, podem ser cobradas de Dilma.
É como se toda a energia social acumulada do lulismo – e isso é muita energia – entrasse em colapso agora, junto com o projeto político do PT e tudo. As escolhas de campanha chantagistas, oportunistas e mentirosas de Dilma, de Lula e do marqueteiro João Santana estão cobrando muito cedo seu custo – desde o momento em que Dilma foi eleita, na verdade. A necessidade de aplicar uma espécie de programa econômico aecista-meia-boca fizeram dela, nas palavras de um amigo meu, aquela aluna de filmes de patricinha que não é da elite, mas que quer puxar o saco de quem é, e no fim consegue atrair a antipatia de todo mundo.
Resultado: um panelaço espontâneo durante o próprio pronunciamento, em mais de dez capitais e no distrito federal, cujo alcance ainda está sendo medido. É um hábito da esquerda ortodoxa desqualificar as manifestações que ela mesma não controla: no caso, seriam manifestações das “varandas gourmet” e, em algumas teorias conspiratórias, orquestradas pela própria CIA. Já vi gente inteligente (ou que parecia inteligente até então) postando esse tipo de coisas. Sem comentários.
Foi Dilma que escolheu o dia da Mulher para uma fala inadequada, indigna de uma presidente em exercício. Não adianta reclamar que é grosseiro com uma senhora ir à janela chamá-la de “vaca” – Dilma é, efetivamente, uma senhora, mas essa senhora também é presidente e, assim como na Copa, continua ditando seu próprio timing inconveniente. Sem querer, reorganizou toda a lógica entre madames, panelas e o dia da Mulher.
Dilma achou que a (boa) notícia da lei do feminicídio ia sustentar todo o resto – sendo que todo o resto é só o país em plena crise econômica e política. Não sustentou. Agora não resolve nada jogar a culpa toda no “ódio da direita coxinha” e misógina (por mais que isso exista). Sem dois dedos de autocrítica, a casa vai cair. Provavelmente nem há mais tempo para autocrítica.
A pergunta que deveria ser feita é: quando foi que o PT, um partido que já teve uma forte percepção social, passou a ter refém de marqueteiro? Essa “quebra” memética tem pouco a ver com razão política, e mais com as metafísicas do psiquismo. Na verdade o jogo político todo tem muito menos a ver com razão do que se supõe. Se Lula escorregou como sabonete molhado pelos períodos difíceis, é porque tinha uma espécie de procuração psíquica de massas para ir em frente, para acertar algumas mesmo errando outras.
Já Dilma, neste domingo, fez o que Fernando Collor fez em 1992, quando pediu para saírem à rua em defesa dele, vestidos nas cores nacionais e usando fitas verdes e amarelas. Conseguiu inverter a tal chavinha: transformar todo o entusiasmo que tinha carreado na campanha eleitoral em repulsa. Passou recibo; coisa que Lula tinha evitado na “janela do mensalão”, uma ou duas semanas de choque durante as quais poderia ter sido alvo de um pedido de impeachment – e o PSDB decidiu não tentar.
Apesar de serem xingadas de “varandas gourmet”, as janelas dos manifestantes espontâneos em repulsa a Dilma marcam essa virada, em que Dilma chama para si o papel de principal vilã do condomínio Brasil. O que nem é exatamente justo – a concorrência é dura e farta. Mas quem disse que a percepção política das pessoas tem algo a ver com a ver com razão e justiça? Política em boa parte é timing, é teatro, é emissão simbólica. E timing é para quem tem.
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