Chiquinha Gonzaga: a vanguarda da mulher na música brasileira
Diz um velho ditado que
recordar é viver e então, a matéria que reproduzo abaixo que retrata o valor artístico
de Chiquinha Gonzaga responde a tudo o que representa a música popular
brasileira para todos nós. (PV)
O cenário musical brasileiro atual tem a presença de diversas mulheres que, como cantoras, compositoras ou instrumentistas, conseguem se sustentar com seu trabalho artístico. O que hoje parece natural, há cerca de um século era raro: mulheres que ousavam se manter neste meio eram vistas com preconceito e sofriam discriminação. No último sábado, 28 de fevereiro, completam-se 80 anos da morte de uma artista que, com sua obra e sua postura, começou a mudar esse cenário e a abrir alas para muitas outras mulheres na música do Brasil: Chiquinha Gonzaga.
A compositora, pianista e maestrina é responsável por mais de duas mil canções populares, e entre elas está a primeira marchinha composta para o carnaval: "Ô abre alas", de 1889, que hoje faz parte do imaginário brasileiro. Seu aniversário, em 17 de outubro, é lembrado como o Dia Nacional da Música Popular Brasileira, desde a aprovação de uma lei para este fim, em maio de 2012.
Vida
A menina Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu em outubro de 1847, em uma família comandada pela postura rígida de José Basileu Gonzaga, general do Exército Imperial Brasileiro. Sua mãe, Rosa Maria Neves de Lima, era uma negra, filha de escrava, que se casou com o militar de alta patente após dar à luz sua primeira filha.
Chiquinha Gonzaga, como ficou conhecida, teve como padrinho Luís Alves de Lima e Silva – O Duque de Caxias, e foi educada pelos professores mais gabaritados do Rio de Janeiro na época. Na música, teve aulas com Maestro Lobo e ainda criança, aos 11 anos, compôs sua primeira obra: a música "Canção dos Pastores", feita para a noite de natal em família, em 1858.
Ainda jovem, com 16 anos de idade, foi obrigada a se casar com o empresário Jacinto Ribeiro do Amaral, marido escolhido por seu pai. O marido queria que Chiquinha Gonzaga abrisse mão da carreira musical e, por este motivo, o casamento durou apenas dois anos. Ela abandonou a união e passou a viver com o engenheiro João Batista de Carvalho. Na primeira união, ela teve três filhos: João Gualberto, Maria do Patrocínio e Hilário. Da segunda união, nasceu Alice Maria.
Chiquinha Gonzaga e João Batista viveram alguns anos juntos, mas devido a traições do marido, ela preferiu se separar novamente. Assim, passou a trabalhar como musicista independente, dando aulas de piano e fazendo apresentações em bailes, para criar o seu filho mais velho, João Gualberto. Enfrentando uma sociedade rígida na época - que ainda não tinha o divórcio legalizado -, Chiquinha perdeu a guarda de seus filhos quando se separou, em ambos os casamentos. Foi-lhe permitido apenas ficar com o filho mais velho.
Aos 52 anos, quando já era uma musicista consagrada, Chiquinha conheceu o aprendiz de músico João Batista Fernandes Lage, que em 1899 tinha apenas 16 anos. O jovem português tornou-se seu companheiro, com quem ela viveu pelo resto da vida.
Música
A educação musical fez parte da vida de Chiquinha Gonzaga desde sua infância: ainda criança ela teve aulas de piano com Maestro Lobo, e frequentava rodas de lundu, umbigada e outros ritmos oriundos da África que eram comuns nas rodas dos escravos.
Seu trabalho como compositora ficou marcado pela constante aproximação do piano ao gosto popular. Sua primeira composição de sucesso foi a polca "Atraente", editada em 1877. Nascida de uma roda na casa do compositor Henrique Alves de Mesquita, "Atraente" se tornou um clássico da música instrumental brasileira, passando a integrar o grande repertório do choro. Foi regravada por diversos artistas, como Pixinguinha, cujo áudio pode ser ouvido abaixo:
00:00
02:46
Polca: Dança popular de Boêmia, região onde atualmente fica a República Theca, que se difundiu pelo mundo após chegar a Paris, por volta dos anos 30 do século 19.
Durante o carnaval de 1899, Chiquinha Gonzaga compôs a música que marcaria a cultura brasileira dali em diante. Ela estava em casa, no Andaraí, bairro na Zona Norte, assistindo ao ensaio do cordão Rosa de Ouro, quando teve a inspiração para criar "Ô abre alas". Essa foi a primeira marchinha carnavalesca com letra que se tem notícia: até então, salões da alta sociedade tinham festas embaladas por polcas, valsas e quadrilhas, e nas ruas o povo se divertia ao som de baterias cadenciadas e músicas como cantigas de roda. Chiquinha Gonzaga fixou, ali, um novo gênero que daria personalidade ao carnaval brasileiro.
Assista ao trecho do programa Samba na Gamboa, da TV Brasil, em que Diogo Nogueira interpreta "Ô abre alas":
Em 1885 Chiquinha Gonzaga tornou-se a primeira mulher maestrina brasileira. Quatro anos mais tarde, ela regeu, no Imperial Teatro São Pedro de Alcântara, um original concerto de violões, promovendo o instrumento que, na época, ainda estigmatizado.
A última composição de Chiquinha Gonzaga, "Canção de Lauro", foi escrita em 1933 para a peça rude "Maria", quando maestrina já tinha 85 anos.
Ouça mais músicas de Chiquinha Gonzaga:
"Atraente", executada pela Orquestra da Rádio Nacional em em 13 de outubro de 1956
00:00
02:37
A música "Atraente" também foi executada pelo grupo Nó em pingo dágua, no programa "Vai passar" em homenagem à Chiquinha Gonzaga em 1985. Assista:
Teatro musical
A carreira de Chiquinha Gonzaga como maestrina somou 77 de peças de teatro em variados gêneros. Em 1883, ela teve uma tentativa frustrada de atuar neste setor: se propôs a musicar um libreto de Arthur Azevedo, mas a produção teatral não aceitava uma mulher como autora da música. Dois anos mais tarde, ela estreou compondo a trilha da opereta de costumes "A Corte na Roça".
Em 1912, estreou "Forrobodó", seu maior sucesso teatral. A peça chegou a ter 1500 apresentações seguidas após a estreia, e permanece até hoje como dona do maior desempenho de uma obra deste gênero no Brasil. Para essa peça, foi composta a modinha Lua Branca, cujos versos originais mantêm o espírito de caricatura da obra. Em 1929, no entanto, surgiu uma versão romântica com o mesmo título, gravada pelo cantor Gastão Formenti. A autoria dos versos desta segunda versão é desconhecida até hoje.
Ouça a música "Lua branca", interpretada por Albertinho Fortuna (em áudio extraído do arquivo da Rádio Nacional, de 17 de outubro de 1956):
00:00
01:36
Uma composição de Chiquinha Gonzaga para o teatro teve repercussão especial na política brasileira em 1914. Nascida nos palcos dos teatros musicados, onde foi dançada na cena final da opereta burlesca de costumes nacionais chamada "Zizinha Maxixe", a música "Gaúcho", que ficou conhecida como "Corta-jaca", entrou para a história do política do país ao ser executada ao violão por Nair de Tefé, na época primeira-dama do Brasil, casada com o presidente Hermes da Fonseca. Nair, que era amiga de Chiquinha, tocou ao violão a música em uma recepção no Palácio do Catete, então residência oficial da Presidência da República.
A ocasião foi considerada uma quebra de protocolo, por levar ao palácio presidencial uma música popular que, segundo a elite da época, era inspirada em danças vulgares. Especialistas, no entanto, consideram o fato como uma "alforria" da música popular brasileira: foi a primeira vez que se executou uma canção popular na sede do governo.
Ouça "Corta-jaca", executada pelo grupo Chiquinha Gonzaga em 1912:
00:39
02:57
Na partitura manuscrita de Corta-jaca, composta em 1895, é possível ler o desabafo aliviado da compositora: "Arre!!! são 3 e um quarto da manhã! Estou cansada vou dormir… Felizmente acabei – os galos cantam"
Foi de Chiquinha Gonzaga, também, a iniciativa de criar a primeira sociedade protetora e arecadadora de direitos autorais no Brasil, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat). fundada em 1917.
Atuação política
Chiquinha Gonzaga foi uma mulher que nasceu em um século cujos costumes não condiziam com sua personalidade. Desde cedo, não hesitou em fazer o que considerava certo, mesmo que suas ideias fossem de encontro ao que era estabelecido pela sociedade como apropriado.
A compositora denunciou o preconceito e atraso social de sua época e, apoiadora do movimento abolicionista, vendeu partituras suas de porta em porta para arecadar fundos para a Confederação Libertadora. Comprou a alforria de diversos escravos, entre eles o músico José Flauta.
Ao se separar do primeiro marido, ainda muito jovem, a compositora enfrentou a oposição até mesmo da família. Para a biógrafa da compositora, Edinha Diniz, sua desobediência se traduzia na música como forma de contestar um poder que tentava esmagá-la: enquanto as classes sociais mantinham seus espaços rigidamente definidos, Chiquinha levava para os salões a cultura que se disseminava na rua. "Ao mesmo tempo que se libertava ela libertava a música", diz Edinha. A artista, além de abrir portas para a profissionalização da mulher na música, participou da campanha em defesa dos direitos autorais dos compositores e teatrólogos, no início da década de 1910.
Mais de Chiquinha
A obra de Chiquinha Gonzaga é interminável e há muitos arquivos que mostram sua obra interpretada por diversos artistas. Abaixo selecionamos alguns do Domínio Público e da Empresa Brasil de Comunicação:
"Cubanita", habanera executada pelo grupo Chiquinha Gonzaga em 1908
00:00
03:16
Habanera: Criada na capital cubana, Havana, foi a primeira música afro-latino-americana levada de Cuba para salões europeus por volta do século XVII. Dela derivam ritmos como o maxixe e o tango.
"Sultana", polca executada pelo grupo Chiquinha Gonzaga em 1908
00:00
03:53
"Plangente", valsa sentimental executada pelo grupo Chiquinha Gonzaga em 1912
00:00
03:40
"Pudesse esta paixão", valsa executada pelo grupo Chiquinha Gonzaga em 1908
00:00
03:54
"Falena", valsa executada pelo grupo Chiquinha Gonzaga em 1913
00:00
03:34
Valsa: Um dos precursores do choro brasileiro, o gênero surgido da Áustria e na Alemanha chegou ao Brasil com a transferência da corte portuguesa ao país, em 1808, época em que se tornou comum em salões onde a elite do Rio de Janeiro dançava.
Antonio Adolfo toca ao piano "Ismênia", de Chiquinha Gonzaga
Vital Lima canta "Não se impressione", de Chiquinha Gonzaga
*Chiquinha Gonzaga: a vanguarda da mulher na música brasileira
Texto com informações do Acervo Chiquinha Gonzaga
Imagens: Acervo Chiquinha Gonzaga e Domínio Público
Áudios: Rádio Nacional e Domínio Público
Vídeos: Arquivo TV Brasil
Apoio: Gerência de Documentação e Pesquisa - EBC
Texto com informações do Acervo Chiquinha Gonzaga
Imagens: Acervo Chiquinha Gonzaga e Domínio Público
Áudios: Rádio Nacional e Domínio Público
Vídeos: Arquivo TV Brasil
Apoio: Gerência de Documentação e Pesquisa - EBC
Fonte: EBC
Post a Comment