Poemas de Portinari são gravados em disco


Era assim que o pintor chamava seus poemas, publicados em 1964


Na família de João Guilherme Ripper, o nome de Candido Portinari (1903-1962) sempre foi presente. O compositor tinha uma tia-avó, Ignês Maria Luiza Correa da Costa, que foi aluna do pintor e ajudou o mestre nos painéis que adornam o Palácio Capanema. Mas foi só nos anos 2000, quando levava amigos americanos para visitar o Projeto Portinari, que Ripper conheceu o filho do artista, João Candido. A empatia foi imediata, e os dois trataram de construir uma amizade. Foi pelas mãos de João Candido que Ripper pôs os olhos na coleção de poemas do pintor.
Portinari era um poeta bissexto e chamava seus poemas, publicados originalmente em 1964, de “escritos”. Ripper escolheu oito deles para musicar. O resultado pode ser conferido no disco “Ciclo Portinari e outras telas sonoras”, com lançamento no dia 11 de março, em recital do projeto Quintas do BNDES. Antes de serem gravadas, as oito peças, batizadas de “Ciclo Portinari”, integraram, em 2003, um espetáculo do Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, na abertura das celebrações pelo centenário do artista. 
“ É interessante constatar que Portinari é muito pintor como poeta. Ele descreve em seus poemas impressões, cores e formas. Isso me impactou. A impressão que tive foi que Portinari escreveu os poemas porque não tinha como pintá-los”, conta Ripper, que busca reproduzir a mesma sensação na música. “Tentei fazer com que o piano descrevesse alguma coisa, como em “As viagens de trem”, em que você percebe o deslocamento da locomotiva sobre os trilhos”.
O ciclo reúne, além de “As viagens de trem”, “Só neste quarto”, em que o pintor faz uma incursão ao passado; “Esperei-te olhando a lua”, que tem um clima mais escuro; “Se me dessem uma namorada”, que discorre sobre a possibilidade aventada no título, e “Oração para Denise”, feita para a primeira neta, uma espécie de bênção, em que Ripper colore com tons meio religiosos. 
Inclui, ainda, “Eu a vi”, em que sugere uma Nossa Senhora ou santa; “Concerto” em que fala da natureza e “Saí das águas do mar”, um resumo que o pintor faz da vida, em especial da infância. As obras são interpretadas por Gabriella Pace (soprano) e Luiza Francesconi (mezzo-soprano), acompanhadas pelo piano de Priscila Bomfim.
João Candido diz que não pensou duas vezes em mostrar para Ripper o caderno com os manuscritos do pai: “ Tocamos violão juntos”, diz ele, acrescentando que a faceta poeta de Portinari é pouco conhecida da maioria das pessoas. “ Portinari dizia: ‘quanta coisa eu contaria se eu soubesse a língua como a cor’ “.
João Candido pretende relançar, ainda neste ano, o livro de poemas editado em 1964 - que teve uma segunda edição, ilustrada, tempos depois.
“ A edição original, com os poemas selecionados por Manuel Bandeira (1886-1968), não foi ilustrada com obras do Portinari, porque ele não deixou. Ele se considerava um poeta menor e não queria que os poemas se beneficiassem do pintor”, explica o filho.
Distribuído pela Biscoito Fino, o álbum traz em sua segunda parte “Cine-suite”, de 2010, série de quatro peças para piano inspirada na música incidental para cenas do cinema italiano, americano, francês e comédias mudas. Completam a seleção “Rio Desvelo”, com poesia de Ripper; e “Canção do porto”, de 1989, sobre a expectativa das mulheres em relação ao regresso à terra de seus homens pescadores. 
Já “Diga em quantas linhas” é ária da ópera “Domitila”, escrita em 2000 e baseada nas cartas de amor trocadas entre a Marquesa de Santos e D. Pedro I; e “É preciso morrer” é também uma ária, de Anna, esposa do escritor Euclides da Cunha. que integra a ópera “Piedade”, de 2012.