Carimbó é patrimônio cultural do Brasil

Thiago Vilarins 
Da Sucursal
Mais um orgulho paraense passa agora a ser uma referência nacional. Por unanimidade, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural declarou o Carimbó como Patrimônio Cultural do Brasil. A decisão ocorreu na manhã de ontem, durante a 76ª reunião do Conselho, na Sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Brasília. Os 22 conselheiros foram favoráveis ao parecer lido pela antropóloga e relatora do registro, Lúcia Velthem. Em seu discurso, emocionado, ela declarou que a dança e suas diversas manifestações estão inscritas na identidade do paraense, e que agora, o seu valor simbólico passa a representar todos os brasileiros.
O pedido de registro foi apresentado pela Irmandade de Carimbó de São Benedito, Associação Cultural Japiim, Associação Cultural Raízes da Terra e Associação Cultural Uirapurú, com a anuência da comunidade. Entre os anos de 2008 e 2013, o Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI/Iphan) e a Superintendência do Iphan no Pará conduziram o processo de registro e acompanharam as pesquisas para a Identificação do Carimbó em diversas regiões do Estado. De acordo com a ministra da Cultura, Marta Suplicy, que acompanhou a votação por vídeo conferência, “a chancela nacional é voltada à preservação, e a da Unesco, a uma maior visibilidade internacional, o que é muito importante para a atração de turistas”.
Já a presidenta do Iphan, Jurema Machado, destacou a importância da diversidade cultural. “O Estado, junto com os detentores desta prática, é agora um parceiro na manutenção, na salvaguarda e na vitalidade desse bem. Eu acho que, tanto quanto o reconhecimento do Carimbó, potencialmente beneficia os detentores, beneficia sobretudo o País, que pode se reconhecer, nesse amplo território, em valores culturais que representam sua unidade”, completou Jurema Machado. 
Durante a votação também estiveram presentes representantes dos grupos de Carimbó que tomaram a palavra para enfatizar o engajamento das comunidades carimbozeiras em buscar o reconhecimento de sua expressão máxima. Um verso do mestre Verequete, recitado pela relatora Lúcia Velthem, mostra que a força desta expressão está, mais do que nunca, viva: “O carimbo não morreu, está de volta outra vez. O carimbó nunca morre”.
A reunião do Conselho Consultivo foi acompanhada por um grupo de artistas do Pará, entre eles cinco mestres do Carimbó de Marapanim, considerado o berço desse ritmo. “Esperei nove anos por esse momento. Só quem sabe o amor que eu tenho por essa cultura, consegue entender a emoção que eu sinto agora. A luta pelo reconhecimento nacional do Carimbó é uma luta de todos os paraenses, que assim como eu acreditam na força e na beleza da nossa cultura popular”, afirma o mestre Manoel, líder do grupo Uirapuru, uma das associações de Carimbó mais antigas do município.
Em um barracão de madeira, usado como espaço de oficinas de percussão e confecção de instrumentos típicos de Carimbó, mestre Manoel ensina o amor ao ritmo paraense a dezenas de crianças da comunidade. Mesmo sem nenhum tipo de patrocínio, o local funciona como um grande polo de incentivo à cultura popular em Marapanim, considerada a terra do Carimbó. Ele avaliou que o reconhecimento vai assegurar mais apoio à manifestação cultural, e abre a possibilidade de elaboração de políticas públicas. “Foi uma luta de nove anos; uma luta sólida. Esta cultura vem de muitos anos, de nossos antepassados, de nossos irmãos índios. Herdamos a terra e temos que levar à frente essa manifestação, repassando para nossos filhos e netos, e para isso temos que trabalhar com políticas públicas”, disse ele à Agência Brasil.
Ex-integrante do grupo Uirapuru, mestre Luiz dos Santos, 72, é um dos maiores defensores do carimbó de raiz em Marapanim. “Na teoria talvez não signifique muita coisa, mas na prática, o título de patrimônio cultural imaterial do país resgata a autoestima do mestre de Carimbó e valoriza ainda mais o ritmo, que passará a ser respeitado e reconhecido em todo o país. Eu, que já estou há mais de 50 anos nesse meio, e já senti várias vezes a falta de reconhecimento pelo meu trabalho, sei que essa decisão vai reacender o amor do público pelo ritmo mais popular do Pará”, conta o idealizador do grupo “Os originais”.
O carimbó, com seus instrumentos, dança e música, é resultado da fusão de influências das culturas indígena e negra. Além da parte cultural, uma característica importante do carimbó é a forma de organização e reprodução social que reúne carimbozeiros nas atividades do dia a dia e celebrações religiosas.
TAMBOR
Publicado em 1905, o Glossário Paraense, de Vicente Chermont de Miranda, descreve o Carimbó como um “tambor feito de madeira oca e coberto, em uma de suas extremidades, por um couro de veado”. Com o tempo, a denominação passou a se referir também à dança associada ao ritmo produzido pela percussão. As descrições apresentadas pelo Dossiê trazem novas e mais apuradas significações sobre o Carimbó. Logo na Introdução, o Dossiê aponta que Korimbó é palavra de origem Tupi e dela surgiu o nome do tambor que mais tarde deu nome à manifestação. Contemporaneamente, portanto, o termo Carimbó é utilizado majoritariamente como referência à expressão que envolve festa, música e coreografia características e tradicionalmente reproduzidas no nordeste paraense.
O registro como patrimônio cultural imaterial brasileiro é um instrumento de reconhecimento concedido pelo governo federal a um determinado bem que seja reconhecido como referência cultural em todo o país. A reunião de ontem finalizou o processo de registro de bem cultural iniciado oficialmente em 2008, resultado das discussões e mobilizações que grupos e mestres de Carimbó realizaram no município de Santarém Novo, nordeste do estado, há nove anos, quando surgiu a campanha.
O Conselho que avalia os processos de tombamento e registro é formado por especialistas de diversas áreas, como cultura, turismo, arquitetura e arqueologia. Ao todo, são 22 conselheiros, que representam o Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios - Icomos, a Sociedade de Arqueologia Brasileira – SAB, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, o Ministério da Educação, o Ministério das Cidades, o Ministério do Turismo, o Instituto Brasileiro dos Museus – Ibram, a Associação Brasileira de Antropologia – ABA, e mais 13 representantes da sociedade civil, com especial conhecimento nos campos de atuação do IPHAN.