Artigo Pessoal - Por Lúcio Flávio Pinto
Existem alguns monopólios que recebem atenções
diferenciadas, mas há também quem se preocupe com os acontecimentos e faça
comentários que confrontam com os atos errados, que atrapalham o andamento de
setores que querem se sobressair. O jornalista Lúcio Flávio Pinto, sem medo de
ser feliz, combate com veemência toda e qualquer tentativa de que haja
esquecimento dos assuntos que vão de encontro aos interesses do povo. Aqui está
mais um artigo com riqueza em sua retórica. (PV)
A onda gigante
engoliu o porto?
A grande onda de refluxo do rio Amazonas no
choque com o Oceano Atlântico, conhecida por pororoca, foi fraca, na semana
passada, para decepção dos surfistas. Eles esperavam subir na onda gigante que
reverte do mar quando, na sua luta titânica com o maior rio do mundo, não
permite ao Amazonas avançar tanto, como faz na maioria das vezes, penetrando em
até 100 quilômetros sobre água salgada, tornando-a salobra.
Mas a pororoca mereceu mais atenção
da imprensa do que o acontecimento quase à meia noite do dia 28 do mês passado.
Foi quando desmoronou parte do terreno onde funcionava o píer flutuante da
multinacional Anglo American, utilizado na atracação de navios que embarcam
minério de ferro em Santana, no Amapá, na mesma faixa de influência, no
estuário do Amazonas, onde ocorre a pororoca. Muita terra, minério, algumas
embarcações e seis pessoas foram para o fundo, arrastadas pelas águas violentas
do rio. Os corpos de três delas não foram resgatados.
Foi um dos mais graves acidentes
desse tipo ocorrido na Amazônia nos últimos anos. A explicação oficial dada
para o desmoronamento não foi capaz de interessar a imprensa. O porto teria
ruído por causa do rio Amazonas. Uma onda gigante teria erodido o terreno até
arrastá-lo no rumo do oceano Atlântico. Se a versão fosse correta, teria sido a
maior ocorrência de terras caídas à margem dos maior rio do mundo em todos os
tempos.
Quem circula pelo Amazonas com
alguma constância pode observar o fenômeno. Na grande cheia de 1976, uma das
maiores do século passado (o Amazonas sobe e desce em intervalos semestrais),
eu observava a paisagem quando um búfalo se lançou sobre uma pequena ilha com
capim que descia pela correnteza e foi embora também.
Na época da cheia uma das principais
missões dos vaqueiros é evitar esse fato. Eles tangem o rebanho sobre canoas e
vão tocando os animais para pontos seguros. Mas um local de terra firme pode
desabar e ir embora na correnteza, como aconteceu com o búfalo.
Mas jamais vi ou tive referência de
um desmoronamento tão grande quanto o do porto de Santana, que abriu uma
cratera naquele local. Duas hipóteses se mostravam mais plausíveis do que a da
onda gigante: uma combinação da ação erosiva do rio sobre suas margens devido a
pressão dos milhares de toneladas de minério de ferro estocado à espera de
embarque; ou a superonda mesmo, mas justamente como efeito da queda de tanta
terra e minério.
Durante quase meio século o porto de
Santana serviu ao embarque de manganês, dos mais puros que havia no mundo,
trazido de uma distância de 200 quilômetros, por trem, da mina da Serra do
Navio, pela Icomi, empresa criada pela multinacional americana Bethlehem Steel
com o engenheiro mineiro Augusto Trajano de Azevedo Antunes.
A jazida foi exaurida e a mineradora
se retirou sem cumprir suas obrigações legais. Uma das maiores, que constitui
chaga mortal ainda aberta, é o remanescente de arsênio, subproduto altamente
tóxico e agente cancerígeno que foi descartado durante a tentativa de agregar
um pouco de valor à simples extração de matéria prima.
A Icomi construiu uma usina para
agregar o minério fino em pelotas, como é feito sem problemas com o minério de
ferro, para o qual a tecnologia já está consolidada e o descarte não é tão agressivo.
A experiência pioneira com o manganês, quando já mais fino e de menor teor do
que no início, não deu certo, durando pouco tempo.
Mas o rejeito de arsênio contaminou
a população da vila vizinha do Elesbão, com dois mil habitantes. Casos de
câncer, deformação e morte são o que persiste do capítulo efêmero da esperança
de desenvolvimento pela mineração de manganês. Não se sabe se parte do estoque
de arsênio remanescente possa ter sido alcançado pela erosão.
Só quando uma nota oficial da Anglo
American confirmou o acidente é que as pessoas mais atentas puderam ter uma
ideia da gravidade da situação. Mas não ao ponto de provocar a repercussão
devida. A desatenção para com esses fatos foi a mesma quando desmoronamento
semelhante, e bem mais grave, ocorreu no porto de Chibatão, em Manaus, que
simplesmente desapareceu, em outubro de 2010.
Centenas de contêineres, caminhões,
outros veículos e cargas foram lançados ao rio, causando prejuízos nunca
exatamente avaliados. Houve mortos e feridos. O porto era obra do PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento) do governo federal.
Pouco antes o mundo inteiro tinha se
chocado com o tsunami na Ásia. No porto de Chibatão, o principal terminal
fluvial de uma cidade com dois milhões de habitantes, um dos maiores centros de
montagem de produtos importados e revenda do mundo, o espetáculo semelhante era
produto não da natureza, mas dos homens.
Quem viu aquelas cenas, muito
semelhantes à das grandes ondas asiáticas derivadas de um abalo sísmico em alto
mar, não podia conceber a sua causa: a pressão de centenas de equipamentos e
cargas sobre uma nesga de terra, sem a mais pálida infraestrutura para suportar
essa pressão, estática e dinâmica. Era previsível aquela colossal erosão, Mas
ninguém se preocupou com isso. A Amazônia é no (e “o”) fim do mundo mesmo.
Os seus exploradores e pioneiros
querem é ganhar dinheiro – muito e rápido. Com doses de sagacidade, esperteza,
audácia e pouco escrúpulo, além de dispor de engrenagens de poder, montam seus
negócios para acumular seu capital e reinvesti-lo em áreas mais rentáveis,
quase sempre fora da Amazônia.
Depois que a Icomi se foi, deixando
o Amapá mais ou menos como o encontrou, foi a vez do sempre presente Eike
Batista sucedê-la. Eike produziu algum ouro e muita propaganda em torno das
riquezas de que se declarava dono. Uma delas era o minério de ferro, que não
interessou à Bethlehem Steel porque a então segunda maior siderúrgica do mundo
estava necessitada de manganês. E o Amapá dispunha de autêntico filé-mignon.
Eike montou seu projeto e, como de
hábito, o passou em frente à Anglo American. Por conta das projeções
extravagantes e exageradas do seu interlocutor, a multinacional teve que abater
quatro bilhões de dólares dos seus ativos no balanço do ano passado. Talvez por
isso, suas instalações para embarque de minério de ferro em Santana sejam tão
primárias.
Seria mais um grande prejuízo para a
mineradora, não fosse uma circunstância, ainda a ser confirmada. Recentemente a
Anglo negociou essa mina com o grupo indiano Zamim, que já explora ferro no
Amapá através da Zamapá, e utilizava o mesmo porto. Se o grupo Zamim já
concluiu a compra, serão eles que pagarão a conta do desabamento.
A resposta ajudará a elucidar quem,
no final das contas, pagará pelos estragos da “onda gigante” que destruiu o
porto de Santana.
Fonte:
Yahoo
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